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‘Transporte Coletivo: a reconquista da confiança e recuperação da demanda’. Por Roberto Sganzerla, especialista internacional em Marketing de Transportes e Mobilidade Urbana

Categoria: Matérias

Publicado em 22 nov 2020

11 minutos

‘Transporte Coletivo: a reconquista da confiança e recuperação da demanda’. Por Roberto Sganzerla, especialista internacional em Marketing de Transportes e Mobilidade Urbana

A grande maioria das empresas de transporte coletivo tem adotado medidas de segurança, a semelhança de outros setores como shopping centers, supermercados, restaurantes etc.  Portanto, o transporte público sendo operado com “protocolos”, e os passageiros fazendo a sua parte na prevenção, pode sim ser um meio seguro para a mobilidade urbana.

No entanto, a chamada grande imprensa, em especial a televisiva, tem sido impiedosa com o transporte coletivo, mostrando, de maneira tendenciosa, apenas os ônibus cheios nos horários de pico, o que é inevitável acontecer em qualquer transporte de massa do mundo, mas não mostraos ônibus andam quase sempre vazios. Ônibus vazios são a maioria, principalmente durante este período de pandemia. Assim rotulam o transporte coletivo como um local de grande risco de contagio, sendo que não há nenhuma evidencia científica que comprove tais afirmações.

A Tribuna, de Vitória, ES de 20 de outubro de 2020, trouxe uma reportagem especial, onde apresenta um estudo feito pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) e Universidade de Oxford (Inglaterra) [1], que sugere que locais como o transporte coletivo, mesmo comalta ocupação, apresenta baixo riscode contagio, devido as características do serviço: período curto de viagem, espaço fechado mas bem ventilado (janelas abertas), todos usando máscara e não conversando, abraçando, cantando, comendo etc., afora todos os protocolos de segurança que foram implantados pelas empresas operadoras.

Na mesma linha, FeargusO’Sullivan, escritor colaborador do CityLab, cobrindo a Europa, no artigo O transporte público é menos arriscado do que se pensava? Relata que entre 9 de maio e 3 de junho, nenhum novo grupo de casos foi associado ao sistema de metrô, bonde ou várias rotas de ônibus urbanos na França. Quando o Japão suspendeu seu estado de emergência, a maioria dos grupos de infecção estava ligada a academias, bares, salas de karaokê.

Nenhum foi encontrado nos famosos trens lotados do país, segundo O’Sullivan.[2]

Temos também diversos outros estudos e pesquisas internacionais, bem como importantes trabalhos já produzidos no Brasil, que mostram que o transporte coletivo pode sim ser um meio seguro para a mobilidade urbana.

Em maio deste ano o governador de Nova York, Andrew Cuomo, epicentro do coronavírus nos Estados Unidos, apresentou uma pesquisa realizada com 1.300 portadores da covid-19, em mais de 100 hospitais.Os resultados mostraram que cerca de 66% das pessoas que foram infectadas pela doença, estavam dentro de suas casas. Apenas 4% estavam nos transporte coletivos e 2% andando a pé. [3]

No final de agosto, foi publicadoem São Paulo oinquérito sorológico da capital paulista realizado pela USP – Universidade de São Paulo e pela prefeitura, onde foram pesquisados 3.217 domicílios, mostrando que na cidade de São Paulo corre mais risco de se contaminar com o novo coronavírus, causador da Covid-19, quem mora com cinco ou mais pessoas do que quem usa o transporte público. [4]

Tal constatação vem a corroborar com outros estudos como o apresentado pela jornalista Roberta Soaresno artigo Tentando afastar o medo do ônibus, publicado no Jornal do Comércio de Recife, Brasil, no dia 4 de agosto de 2020, que aponta quetransporte público não é vetor do coronavírus, de acordo com o levantamento da Urbana-PE. [5]

O material constata que, enquanto a quantidade de pessoas utilizando o transporte público aumentava na Região Metropolitana do Recife, o número de óbitos e casos do coronavírus tinha redução na capital.

O mesmo se verificou na Grande Vitória, no Espírito Santo, conforme relata Murilo Lara no artigo Transcol: a repercussão do coronavírus no transporte coletivo, publicado pelojornal A Gazeta de Vitória, em 14 de agosto 2020. [6]

“Levantamento feito pelo GVBuscom dados da operação e informação da Secretaria de Estado da Saúde (extraídas no dia 11 de agosto), aponta que, na semana de 24 a 30 de maio o Transcol transportou 1,4 milhão de passageiros, enquanto a Grande Vitória registrou 4.117 novos casos. Já na semana de 26 de junho a 1ª de agosto, a demanda transportada foi maior: 1,7 milhão de pessoas, e a Grande Vitória confirmou somente 1.429 infectados”.

Estudo publicado pela NTU em setembro 2020,avaliou 15 sistemas de transporte público por ônibus, responsável por 177 municípios,  e concluiu que não há relação entre o número de passageiros transportados e a variação do número de casos do novo coronavírus. Veja.

#ESPAÇOSEGURO        

Christina Goldbaum relatou recentemente para o jornal The New York Times que o rastreamento de contatos no Japão, na França e Áustria não encontrou ligações entre os surtos da Covid-19 e as redes de transporte público. 7

Alguns modelos matemáticos também sugerem que o transporte público bem ventilado com o uso de máscara é menos arriscado do que alguns outros ambientes internos, como um bar lotado e abafado.

Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, atividades nas quais as pessoas precisam tirar as máscaras, como comer em restaurantes, são mais perigosas. Segundo o órgão, é mais seguro andar de transporte público do que até mesmo frequentar salões de beleza.8

Se o transporte coletivo fosse o grande vetor de transmissão da Covid-19, os colaboradores do transporte público deveriam estar entre os grupos que mais se contaminam com o coranavírus e contraem a Covid-19, abaixo apenas dos profissionais da saúde que trabalham em hospitais, como alguns sugerem.

No entanto não é o que se verificou em cidades onde a operação do transporte coletivo está sendo feita com protocolosde segurança que atendem as boas práticas e recomendações das autoridades de saúde para a prevenção da Covid-19.

A Noiva do Mar Mobilidade emprega 435 colaboradores na cidade de Rio Grande – RS, e transporta cerca de 1 milhão de pessoas por mês, teve até outubro, apenas oito casos desde o início da pandemia, todos já recuperados. (Dados: 15/outubro/20).

Em Porto Alegre, o índice de contaminação entre funcionários das empresas de ônibus é, em média, 35% menor que o da população em geral da capital gaúcha. (Dados: 15/outubro/20).

Na Região Metropolitana de Goiânia, os motoristas do transporte coletivo que estão na linha de frente e diariamente nos ônibus da RMTC, tiveram um índice de infecção de apenas 7%, segundo dados apresentados em 27 de outubro de 2020, pelas empresas concessionárias do transporte público coletivo de Goiânia e região metropolitana. O índice é cerca de 80% menor que a taxa de contaminação geral da cidade que está entre 12 e 13%, segundo os números cruzados desde o início da pandemia e fechados no final de agosto pela Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) após pedido da CMTC. Segundo a secretária de Saúde, Fátima Mrué, não é possível provar que o transporte coletivo seja um vetor de contaminação.

WRI Brasil, no dia 1º de outubro de 2020 publicou o artigoTransporte coletivo e transmissão da Covid-19: o que dizem os estudos [9], ondeafirma que experiências e estudos indicam que ônibus e metrô não são vilões do contágio pela Covid-19, mas assim como qualquer espaço coletivo, requer cuidados.

Oferecer um serviço seguro passa por adotar uma combinação de medidas: Ventilação adequada para atender à norma de renovação de ar; Fiscalização para que haja respeito ao uso de máscaras e às orientações de higiene e cuidados como evitar conversas e telefonemas; Viagens mais rápidas – por meio de faixas dedicadas;Escalonamento de horários para diluir a demanda; Monitoramento do contágio na população e entre os funcionários do transporte coletivo.

O FUTURO DAS CIDADES É COLETIVO

Vale a pena relembrar que mesmo no contexto pós pandeia,o futuro das cidades é coletivo, não individual.

Segundo o engenheiro Carlo Ratti, diretor do laboratório de cidades no MIT, nos EUA, o uso do carro em tempos de pandemia, visto como sendo uma opção “mais segura” por parte de alguns, coletivamente pode levar a um caos urbano ainda maior em cidades nas quais o trânsito já é extremamente problemático.[10]

“Os carros são muito ineficientes no uso da infraestrutura urbana. Se todos nós andarmos de carro, ninguém se mexe“, conclui Ratti.

No “novo normal” o problema não está no “coletivo”, mas sim no “coletivo sem protocolos”.

A RECONQUISTA DA CONFIANÇA E RECUPERAÇÃO DA DEMANDA

Das várias ações que estão sendo feitas no Brasil no intuito de reconquistar a confiança do cliente e tirar o medo de usar o transporte coletivo, principalmente para quem precisa, um exemplo a ser seguido é o da SEMOBI – Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura do Governo do Estado do Espirito Santo, que em conjunto com as Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBUS), elaborou um vigoroso e abrangenteProtocolo de Ações do Sistema TRANSCOL, composto por um tripé estratégico de ações que juntas perfazem mais de 40 medidasimplementadas.

Protocolo de Saúde Pública– 19 medidas; Protocolo Operacional – 15 medidas; Protocolo de Sustentabilidade – 07 medidas

Para divulgar o Protocolo de Ações do Sistema TRANSCOL à polução da Grande Vitória, o Governo do Espírito Santo elaborou uma campanha com as principais medidas do Protocolo de Saúde Pública, que tem como mensagem principal: Enquanto você se cuida pensando no coletivo, nós cuidamos dos coletivos pensando em você!

Foi elaborado um vídeo muito bem produzido, que narra de maneira leve e bem didática todas as ações do Protocolo de segurança no transporte público. A versão para veiculação através das redes sociais, tem duração de 1min 33seg, e outros dois vídeos com duração de 1 minuto cada, para veiculação em 21 emissoras de televisão no Estado do Espírito Santo. Acessar vídeo

Também foi gravado um spot de rádio de 1 minuto, para inserções em 46 emissoras de rádios no Estado do Espírito Santo. Acessar áudio

MOMENTO DA RETOMADA

Pere Calvet, Presidente da UITP – União Internacional de Transportes Públicos, durante o maior evento de transportes e mobilidade realizado este ano, durante os dias 7 e 8 de outubro, UITP LatinAmerica Week 2020 – Digital Experience, com mais de 1.000 participantes de mais de 50 países,disse:

“Estudos mostram que o transporte público é seguro, desde que as regras sanitárias sejam seguidas. Precisamos reconquistar a confiança  do passageiro paulatinamente, mas é necessário que a mídia e os governantes parem de passar informações duvidosas para a população.É importante uma estratégia de comunicação global”. [11]

Portanto, não podemos ficar passivos enquanto se formata no imaginário dos nossos clientes apenas a versão sugerida por uma parte da mídia. Precisamos apresentar o contra ponto, pois temos estudos consistentes, como os relatados neste artigo, entre outros, que demonstram que o transporte coletivo operado com protocolos de segurança, pode sim ser um meio seguro para a mobilidade urbana.

Como diz o jornalista Augusto Nunes, fatos não pedem licença a jornalistas para existirem!

Também precisamos comunicarde maneira mais enfática, que otransporte coletivoserá um dosprincipais vetores para a retomada da economia,pois o futuro das cidades é coletivo.

Assim, reconquistaremos a confiança do cliente e arecuperação gradual da demanda.

REFERÊNCIAS

1- Tribuna online

2 – In Japan and France, Riding Transit Looks Surprisingly Safe, FeargusO’Sullivan

3 – Mais de 66% dos novos infectados em Nova York estavam isolados em casa.

4 – Risco de contágio pela Covid-19 em transporte público é menor que em residências com cinco moradores ou mais, diz inquérito sorológico da capital paulista.

5 – Tentando afastar o medo do ônibus, Roberta Soares

6 – Transcol: a repercussão do coronavírus no transporte coletivo, Murilo Lara

7 – BBC NEWS, 10/09/2020

8 – Olhar Digital – Guilherme Preta, editado por Fabiana Rolfini, 11/09/2020

9 – Transporte coletivo e transmissão da Covid-19: o que dizem os estudos

10 – BBC NEWS, 10/09/2020

11 – Mobilidade e transporte público no centro dos debates

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