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A pandemia afeta o transporte público

Categoria: Matérias

Publicado em 23 abr 2020

11 minutos

A pandemia afeta o transporte público

Quase dois meses após a identificação do primeiro caso de Covid-19 na América Latina, e já na sexta semana de medidas mais efetivas contra a pandemia, a perspectiva permanece particularmente séria para os sistemas de transporte público urbano no continente.

A seriedade da situação foi objeto da videoconferência realizada em 7 de abril de 2020 pela União Internacional de Transportes Públicos (UITP), Divisão da América Latina, que contou com palestrantes do Brasil, Argentina, México e Uruguai.

Esse debate trouxe um cenário que evidenciou uma redução acentuada da demanda e da arrecadação nos sistemas de transporte público em vários países da América Latina, acompanhada de incertezas quanto ao momento atual dos operadores públicos e privados do setor. Incertezas também sobre como será e sobre quanto tempo poderá demorar o processo de retomada das atividades e qual será o apoio do governo a essa atividade econômica essencial.

Foram cerca de 90 minutos de teleconferência com a participação de 112 especialistas, pesquisadores, técnicos e líderes empresariais de diferentes países.

Os trabalhos foram coordenados pela diretora da entidade, arquiteta Eleonora Pazos.

INFORMAÇÕES

A videoconferência foi aberta pelo presidente da UITP América Latina, o engenheiro e professor brasileiro Jurandir Fernandes.

Em sua apresentação, entre outros aspectos, o líder destacou que, devido à pandemia, “um verdadeiro tsunami está se aproximando da América Latina” e que o setor de transportes públicos está ciente disso.

Os dados que surgiram nos dias seguintes parecem apoiar o que o presidente da UITP América Latina disse.

Claramente, houve uma expansão da pandemia ao longo de abril em quase todos os países da região. Como exemplo, é possível examinar os dados consolidados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de oito dos mais importantes países da América Latina, que mostram um aumento considerável no número de casos confirmados de Covid-19 e nas mortes resultantes dessa pandemia. entre 1 e 19 de abril de 2020.

No Brasil, o número de casos aumentou de 4.579 para 33.882 e o número de mortes de 159 para 214. No Chile, o número de casos aumentou de 2.738 para 9.730 e o número de mortes de 12 para 126.

No Equador, o número total de casos passou de 2.240 a 9022 e o número de mortes aumentou de 75 para 456; Este país andino testemunhou a dramática situação da falta de um local para armazenar corpos na cidade de Guayaquil.

O número de casos no Peru nos primeiros 19 dias de abril aumentou de 1065 para 13.489, e o número de mortes aumentou de 13 para 300. No México, o número total de casos aumentou de 1109 para 6875 e o número total de mortes de 28 a 578.

Na Argentina, o número de casos aumentou de 966 para 2.748 e o número de mortes de 24 para 129. Na Colômbia, o número total de casos aumentou de 798 para 3.439 e o número total de mortes de Covid-19 aumentou de 14 para 153. No Uruguai, o número de casos aumentou de 320 para 508 e o número de mortes aumentou de um para nove.

Na videoconferência de 7 de abril, Jurandir afirmou: “Nossas ações são focadas e se concentrarão principalmente em três eixos. Em primeiro lugar, manter a operação, porque é um serviço essencial destinado ao transporte de trabalhadores de outros setores que também são essenciais. O segundo eixo é fornecer segurança à saúde de nosso pessoal operacional, com proteção máxima, com máscaras, cabines isoladas e outros recursos. O terceiro eixo é a busca de recursos financeiros para que o setor não entre em colapso. Lembrando às autoridades que devem adotar medidas financeiras e econômicas urgentes de curto prazo após a pandemia”.

INCERTEZAS

Na videoconferência, logo após a apresentação de Jurandir Fernandes, houve uma exposição do especialista brasileiro Flávio Chevis, diretor da Addax – empresa que atua na modelagem financeira e na estruturação de parcerias no setor de infraestrutura social.

Ele ressaltou que há incertezas quanto à duração da crise atual, determinada pela queda na demanda nos sistemas de transporte público. E incertezas quanto ao tempo de recuperação do setor após a crise.

Ele também criticou a idéia de compensar os sistemas pela demanda e não pela oferta durante a crise, já que a demanda caiu em excesso.

O especialista também não acredita que é hora de iniciar um processo de reequilíbrio das empresas do setor. Defende que se faça inicialmente uma operação de ‘resgate’, afirmando: “O setor precisa urgentemente de um resgate e uma remuneração de seus custos. Embora alguns custos possam ser economizados porque as ordens de serviço estão sendo reduzidas, deve-se observar que elas não estão sendo reduzidas proporcionalmente à demanda. A frota é reduzida em 40% a 50% e a demanda cai em 80% ou 90%”.

A recomendação de Flávio Chevis é que seja feito um programa de emergência imediato com recursos públicos para manter o setor vivo. Ele ressalta que existem setores de infraestrutura – como a transmissão de longa distância para o transporte de gás – que adotam um mecanismo contratual chamado em inglês de ‘pegar ou pagar’, pelo qual o comprador é obrigado a pagar, independentemente de os bens ou serviços serem entregues pelo vendedor.

 De fato, em operações de transporte público, como as realizadas em nossas cidades, infraestruturas, equipamentos e trabalhadores estão sempre disponíveis, mesmo que o serviço não seja necessário em determinados momentos e, portanto, representam custos fixos.

Chevis acrescenta: “A folha de pagamento de uma empresa de ônibus é um custo fixo. E não faz sentido reduzir a folha de pagamento de uma hora para a outra, em 50% ou 80%, com a demissão desse contingente de mão-de-obra, principalmente porque, em determinado momento, o serviço será retomado.”

O especialista brasileiro concluiu, observando que a demanda retornará após a quarentena, mas não é possível saber se haverá uma recuperação de 100% do que era. “Pode levar essa curva de retorno por um ano, ou dois, ou mais três anos. Portanto, precisamos de um programa pós-epidêmico”.

ARGENTINA, URUGUAI E MÉXICO

Em sua apresentação, entre outros aspectos, Lucila Capelli, subsecretária de Planejamento da Mobilidade da Cidade Autônoma de Buenos Aires, relatou que, considerando as três primeiras semanas do período de isolamento social – iniciada na segunda quinzena de março e que permaneceu em vigor na data da videoconferência, em 7 de abril – houve forte diminuição no uso dos diferentes modos de transporte na capital argentina: automóveis, redução na faixa entre 70% e 90%; ônibus urbanos, diminuição num intervalo entre pouco mais de 70% e 90%; trens, queda entre 90% e 95%; e metro – o Subte –, redução de aproximadamente 95%.

No dia da videoconferência, acreditava-se que a quarentena na Argentina seria levantada no início da semana seguinte, mas, no final dessa semana, o presidente da República, Alberto Fernández, estendeu a medida até 26 de abril.

Marcelo Hasse, gerente geral da Federação Argentina de Transportadores de Automóveis (FATAP), disse no encontro que seu país, que já enfrentava problemas econômicos antes da crise da saúde, terá dificuldades em promover a busca da normalidade após a pandemia.

Segundo Hasse, o setor empresarial apresentou uma série de demandas ao governo, incluindo apoio financeiro para pagamento de salários, subsídios adicionais, benefícios fiscais, além de melhores condições para o pagamento de dívidas bancárias. Na data da videoconferência, o setor aguardava uma posição do governo sobre esse assunto.

O vice-gerente geral e gerente de manutenção da Empresa Uruguaia de Transporte Coletivo Sociedad Anónima (CUTCSA), Álvaro Santiago, foi o único orador que relatou uma boa perspectiva imediata. Ele disse que, com base nos dados sobre a progressão do Covid-19 no Uruguai, existe a possibilidade de um retorno à normalidade no início de maio.

Em relação ao México, o diretor da Associação Mexicana de Transporte e Mobilidade (AMTM) Nico Rosales também mostrou uma imagem da redução da demanda na Cidade do México, refletindo a situação em todo o país.

No final da videoconferência, Roberto Labarthe, membro do órgão executivo da UITP América Latina, fez um breve resumo da situação apresentada pelos expositores. Ele alertou para que, ao examinar a situação das empresas de transporte público, o setor e o governo não mesclem os problemas estruturais pré-existentes com aqueles derivados da crise do Covid-19.

Brasil monitora a crise

Em sua apresentação na videoconferência de 7 de abril, o presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários de Passageiros (ANPTrilhos), engenheiro Joubert Flores, informou que, devido à pandemia, a coleta de trens, metrôs e sistemas de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) foi reduzida drasticamente no país.

Houve uma redução média de 62,6% no número de passageiros transportados em março, em relação ao mesmo período do ano anterior. Houve uma perda de receita de R $ 681 milhões, somente nas bilheterias entre 16 de março e 6 de abril de 2020. O setor solicita apoio do governo federal para manter as operações.

Em 16 de abril, a ANPTrilhos divulgou um relatório demonstrando que, desde 16 de março, a redução no número de passageiros no sistema ferroviário metropolitano do país, devido à pandemia de coronavírus, causou um déficit de R $ 933 milhões (US $ 176 milhões) em receita de tarifas de metrô, trem urbano e veículo de trem leve (VLT).

Segundo o relatório da ANPTrilhos, em março de 2019, os sistemas de metrô transportaram 250 milhões de passageiros. Em março deste ano, o número caiu para 98 milhões. Para abril, a projeção é que apenas 50 milhões de pessoas sejam transportadas, o que significa entre 79% e 80% menos que o total normalmente transportado. O impacto é direto na receita. O cenário deve ser repetido no mês de maio. A ANPTrilhos está negociando com vários órgãos governamentais para reduzir a perda.

ÔNIBUS URBANOS

André Dantas, diretor técnico da Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos (NTU), que reúne operadoras de ônibus urbanos em todo o país, também relatou uma forte queda na demanda no segmento em todo o país.

A NTU monitora diariamente os impactos do coronavírus no transporte público de ônibus, incluindo um mapa que resume a redução na oferta e a demanda nas 26 capitais regionais do Brasil e na capital do país. Em 16 de abril de 2020, este mapa mostrou que duas capitais, João Pessoa e Florianópolis, tiveram uma redução de 100% na oferta e na demanda, ou seja, não possuíam transporte público de ônibus.

São Paulo, a maior cidade do país e a mais afetada pelo Covid-19, teve 56% menos oferta de ônibus e uma retração na demanda de 71,8%. Segunda maior cidade e segunda mais afetada pelo novo coronavírus, o Rio de Janeiro teve uma redução de 58% na oferta e uma redução de 72% na demanda. Em 17 outras capitais, a redução na demanda foi superior a 70%, enquanto em 16 capitais a redução na oferta foi igual ou inferior a 60%.

André Dantas informou que foi feita uma proposta ao governo federal com base na aquisição de créditos de transporte a serem atribuídos aos programas sociais do governo. “Não se trata de dar dinheiro às empresas. É simplesmente uma maneira de incorporar iniciativas sociais pós-crise para que os sistemas possam operar agora e nos próximos meses. Serão necessários R $ 2,5 bilhões por mês por alguns meses”.

Na terceira semana de abril, a NTU divulgou o documento Covid-19 e transporte público de ônibus: impactos no setor e ações, cobrindo o período de 16 de março a 15 de abril de 2020. Este documento de 44 páginas pode ser visto aqui.

SONDAGEM COM EMPRESAS

Em 15 de abril, a Confederação Nacional da Transportes (CNT), do Brasil, entidade que reúne sindicatos de empresas do setor, tornou disponível o Painel Impacto no Transporte – Covid-19, online, que permite o acesso às respostas de pesquisa realizada pela CNT com 776 empresas do setor, entre 1º e 3 de abril de 2020. Os dados são disponibilizados tanto de forma agrupada, mostrando a perspectiva geral do setor transportador, e, também, de maneira segmentada por tipo de transporte. Para ver a pesquisa, clique aqui.

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