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ENTREVISTA/Ailton Brasiliense Pires, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos, do Brasil: “Com a ARENA ANTP 2019, vamos dar um salto significativo. O setor precisa disso”

Categoria: Matérias

Publicado em 23 set 2019

9 minutos

ENTREVISTA/Ailton Brasiliense Pires, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos, do Brasil: “Com a ARENA ANTP 2019, vamos dar um salto significativo. O setor precisa disso”

ALEXANDRE ASQUINI

O engenheiro Ailton Brasiliense Pires é presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), entidade com 42 anos de atuação, que introduziu no Brasil o debate sistematizado sobre transporte público, trânsito e ocupação do solo urbano com vistas à produção da mobilidade sustentável.

Esse debate tem acontecido por meio de seminários e outros encontros presenciais, publicações e, sobretudo, pela realização de congressos bienais. Estruturado dentro de um formato tradicional, o congresso se consolidou, ganhou importância e nos anos 1990 passou a abrigar também uma exposição internacional de produtos e serviços.  

Agora em 2019, Ailton Brasiliense Pires comanda uma mudança no formato do seminário. Essa transformação vem sendo concretizada por meio de parceria com a OTM Editora e sua subsidiária, a MF Promoções e Eventos, empresas responsáveis por alguns dos principais veículos jornalísticos brasileiros sobre a indústria de ônibus, os setores de mobilidade urbana e logística de cargas e suas respectivas tecnologias, e dezenas de eventos nacionais e internacionais nesses campos.

O congresso será realizado de 24 a 26 de setembro de 2019, no Transamerica Expo Center, em São Paulo, com nova estruturação e a denominação de ARENA ANTP 2019. Nos dois primeiros dias, os temas serão focalizados em sessões únicas, abertas a todos os congressistas. No último dia, funcionarão seis auditórios virtuais paralelos – todos ocuparão o mesmo ambiente, mas com fones individuais para que cada congressista escolha seu tema.

MOBILITAS – Por que a mudança do formato do congresso?

AILTON BRASILIENSE PIRES – A ideia foi agregar mais entidades às temáticas com a quais a ANTP trabalha que são o transporte público, o trânsito e o desenho urbano. Historicamente, essas três áreas compunham o núcleo principal das atividades da ANTP. Também passaram a compor esse núcleo temáticas que vêm ganhando importância crescente: o meio ambiente e a energia.  Ao olhar o programa, é possível ver que esses cinco tópicos são basicamente as diretrizes dos convites que foram feitos a outras entidades para participar da ARENA ANTP 2019. São entidades que de forma direta ou indireta ajudam a qualificar os itens com os quais trabalham e que, por decorrência, qualificam o transporte público e a mobilidade urbana. Uma importante novidade é essa: ver que algumas outras áreas e entidades, que não haviam participado antes dos nossos debates, agora participarão. Falando de outra forma, nosso congresso estava muito quadradinho e faltava a participação de algumas entidades que têm promovido a qualificação do transporte.

MOBILITAS – Uma mudança tão significativa no formato não poderia afastar congressistas que tradicionalmente participam do encontro bienal da ANTP?

AILTON – Eu acredito que não, porque tem ficado bem claro o objetivo da mudança proposta. Quanto ao formato, a mudança maior aconteceu nos dois primeiros dias, ocasiões em que não teremos sessões paralelas.  No último dia, teremos atividades dentro de uma estrutura parecida com a empregada nas edições anteriores do congresso, com sessões simultâneas.

MOBILITAS As mudanças buscam também atrair os mais jovens?

AILTON – Essa é uma preocupação permanente da ANTP, desde que foi criada. O mesmo acontece com as entidades que participarão da ARENA ANTP 2019. Na verdade, renovação é uma coisa de que a natureza cuida. Temos que nos preocupar em organizar um debate que reflita as preocupações de cada momento e que tenham relevância e consistência. Como exemplo, podemos pegar o tema do transporte público que, como se sabe, tem registrado perda de demanda, o que é muito ruim para as cidades. Precisamos chamar a atenção da meninada para o fato de que o ônibus pode ser muitas vezes feio e sujo, mas, se vier a ser aprimorado, estiver limpo, chegar na hora e oferecer um bom padrão qualidade, poderá constituir a resposta para aquilo que efetivamente é ruim: a poluição, o congestionamento com demora nos deslocamento e os acidentes, que acarretam vítimas fatais e feridos que muitas vezes ficam com sequelas permanentes. Sem dúvida, a ideia da ARENA ANTP 2019 é aumentar o espaço de contato com a juventude, e, com isso, aprofundar e diversificar a participação desse segmento em nosso setor.

MOBILITAS – No congresso da ANTP de 2015, houve uma sessão que procurou discutir se o setor havia fracassado até aquele momento em conseguir agregar qualidade à mobilidade e à própria vida urbana. Chegou-se à conclusão de que houve conquistas.

AILTON – Bem, creio que ganhamos algumas batalhas e perdemos outras. Se fizermos uma contabilização e depois perguntarmos “Há mais gente ou menos gente utilizando o transporte público?”, a resposta será “Há menos gente”. Então, isso é um fato. Mas, ao mesmo tempo, o que nos ajuda a continuar a briga? Um primeiro ponto: acho que hoje não há nenhuma dúvida a respeito da grande necessidade de se qualificar o transporte público. Em segundo lugar, é preciso garantir a prioridade do transporte coletivo no sistema viário. Não adianta ter um ônibus bonito, limpo e cheiroso, se ele vai ficar parado com o congestionamento, levando um tempo adicional de viagem que não tem pé nem cabeça. Está na cara que o empresário também tem um bocado de coisa para fazer. E eu acho que, até por conta das perdas registradas, houve um amadurecimento no setor, o que se pode medir em parte pelos próprios trabalhos que a ANTP desenvolveu nos últimos três ou quatro anos. São vários. E em todos eles um fator é evidente: a busca pela qualidade. A busca pelo tratamento diferenciado do usuário. E isso implica não só a redução do tempo de viagem, mas na confiabilidade do tempo de viagem e também o conforto. O passageiro do transporte público precisa ser cativado, caso contrário, ele irá embora à primeira oportunidade, optando pela moto, pela bicicleta e pelos aplicativos de transporte.

MOBILITAS – Como o senhor vê o futuro do setor?

AILTON – Acho que o único futuro possível que desejaremos ver inclui a qualidade do transporte. Se o poder público continuar achando que fazer qualquer coisa já é o bastante e o prestador de serviço não se preocupar com isso, a perda observada nos últimos dez ou quinze anos vai aumentar. Inequivocamente vai aumentar. A estimativa é de que 500 mil veículos estejam fazendo transporte por aplicativo no Brasil. Se cada um desses veículos estiver levando dez passageiros por dia, estarão transportando cinco milhões de passageiros. E se forem 20 passageiros em média, serão cerca de 10 milhões a menos. Claro que não são todos passageiros retirados do transporte público, mas, para um segmento que já perdeu uns 20 milhões, pelo menos, nos últimos 20 anos, qualquer volume contado na casa dos milhões terá um grande impacto. Nós estamos concluindo um estudo que diz o seguinte: se o operador perder mais demanda, começará a perder receita e ingressará em um ciclo negativo no qual prestará um mau serviço porque terá baixa demanda e terá baixa demanda porque prestará um mau serviço. Aí não haverá salvação. Nós, na ANTP, concluímos um estudo a esse respeito e que será apresentado na ARENA ANTP 2019. O estudo tem como título Guia Básico de Gestão Operacional para Melhoria da Qualidade do Serviço de Ônibus. Estamos buscando saber de onde deve vir a receita para recuperar a rentabilidade do transporte público em nossas cidades. Sabemos que não pode ser apenas na tarifa paga pelo usuário.

MOBILITAS A ARENA ANTP 2019 conseguiu atrair empresas e entidades conforme o esperado?

AILTON – Conseguiu. Cada vez que fazemos um projeto de um evento como este, temos que perguntar o seguinte: queremos alcançar 100% do esperado, mas, se não atingirmos tal meta, qual é o mínimo a alcançar para que a iniciativa tenha continuidade? Posso dizer que superamos bem o limite o mínimo e o resultado está acima do razoável. É um convívio que está sendo construído. Com os antigos parceiros já existia esse convívio, mas estamos construindo o convívio com os novos. Agora, falta o congresso ser realizado. Então, dependendo do que acontecer durante os dias da ARENA ANTP 2019, acreditando numa boa avaliação por parte de todos que estão participando e levando e conta o fato de termos agregado novos interessados, que já participam diretamente, creio que vamos dar um salto significativo. O setor precisa disso.

MOBILITAS – Um recado final?

AILTON – Esperamos que quem estiver na área de mobilidade urbana se envolva cada vez mais e quem estiver um tanto longe, se aproxime. Vivemos num país profundamente urbano e quem está na cidade não suporta mais ser maltratado. Por que muitos foram embora para o automóvel, a moto, a bicicleta e o aplicativo?  Porque estão cansados de serem maltratados. E se os cidadãos continuarem a ser maltratados, mais irão embora. E mais cidades irão perder transporte público. Isso é ruim para o fabricante, para o operador, para as cidades, para todos. É preciso trabalhar um transporte púbico com qualidade, um trânsito que não mate nem provoque poluição e congestionamentos, e buscar um desenho urbano melhor. E tudo isso deve ser feito dentro de um processo de amadurecimento social que, no Brasil, teima-se em fazer do modo mais lerdo possível, como se fosse bom fazer tudo de vagar, para sofrer bastante. Temos que reverter esse modo de pensar. 

Acesse o web site da ARENA ANTP 2019

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