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Empresas brasileiras de transporte por fretamento discutem inovação, legislação, acessibilidade nos veículos e gestão

Categoria: Matérias

Publicado em 17 out 2018

10 minutos

Empresas brasileiras de transporte por fretamento discutem inovação, legislação, acessibilidade nos veículos e gestão

MÁRCIA PINNA RASPANTI

A Federação das Empresas de Transportes de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo (Fresp) realizou, em parceria com a Associação Nacional dos Transportadores de Turismo e Fretamento (Anttur), a 19ª edição do Encontro das Empresas de Fretamento e Turismo e o BrasilFret 2018, entre os dias 27 e 30 de setembro, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, sul do Brasil, integrada à Ciudad del Este, no Paraguai, e Puerto Iguazú, na Argentina.

Com o tema Conhecimento: A Chave para Novas Oportunidades, mais de 250 participantes discutiram uma série de mudanças que estão acontecendo no dia a dia das empresas: uso compartilhado de veículos, o avanço das tecnologias e a busca pelo serviço diferenciado.

Para Regina Rocha, diretora executiva da Fresp, o encontro foi um sucesso. “Os temas mais relevantes para o nosso setor foram amplamente debatidos. Os empresários se sentiram provocados para inovar. Temos grandes desafios, como o excesso de regulamentação e a própria situação do mercado, que se encontra em compasso de espera. Neste momento, temos um impasse quanto à aquisição de veículos acessíveis. As montadoras não podem mais fabricar ônibus sem a plataforma elevatória, dispositivo que eleva o custo do veículo. E os empresários questionam a necessidade de se dispor de uma frota acessível porque não existe demanda para isso”, disse.

Desde julho de 2018, todos os ônibus rodoviários brasileiros precisam sair de fábrica equipados com plataformas elevatórias, para atender usuários de mobilidade reduzida. As normas deveriam ter entrado em vigor em 2015, mas houve vários adiamentos. Os empresários de fretamento querem que a obrigatoriedade seja flexibilizada, já que os veículos acessíveis são mais caros e há pouca demanda por eles nos serviços de fretamento.  “É difícil mudar a lei, mas estamos tentando mostrar que a realidade do nosso segmento é diferente. Oferecemos um serviço privado, não podemos ser obrigados a fazer algo que nos prejudica”, afirmou Sílvio Tamelini, presidente da Fresp.

Pela lei, as empresas de fretamento só precisam ter uma frota totalmente acessível a partir de janeiro de 2020. “É um direito nosso, já que a lei estabelece esse prazo para o setor. O problema é que os fabricantes não podem nos vender mais veículos sem a plataforma elevatória. Como faremos para renovar a frota? Precisamos de uma definição, pois esse impasse está prejudicando inclusive a indústria de ônibus”, questionou Tamelini. O presidente da Fresp espera que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) – autarquia federal que tem por finalidade regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes – apoie o setor na luta para adaptar a legislação.

O superintendente de transporte de passageiros da ANTT, João Paulo de Souza, se mostrou favorável às demandas do setor. “A posição da agência é a favor da acessibilidade. Contudo, é necessário haver uma ponderação do ponto de vista econômico. Então, no caso do fretamento, o entendimento da agência é que, a depender do contratante e do contratado, se negocie a necessidade de um veículo acessível ou não, e não uma obrigação a priori. Já no serviço regular, que tem atendimento difuso, é necessário que haja uma implantação de acessibilidade de forma geral, mas que seja de forma gradativa”, informou Souza.

De acordo com ele, a ANTT encaminhou à Casa Civil da Presidência da República, há cerca de dois meses, a avaliação de que o setor de fretamento deve ser avaliado de forma separada neste quesito, por conta da demanda diferenciada. “E também acreditamos que para as linhas regulares seja necessário que a adaptação à lei aconteça de forma gradativa. Não podemos deixar de considerar o impacto econômico que a aquisição do dispositivo retrátil terá sobre as empresas”, completou.

O setor ainda aguarda uma retomada mais efetiva do mercado. “No primeiro semestre, as empresas estavam mais otimistas, mas uma série de fatores acabou influenciando de forma negativa a economia, como greve dos caminhoneiros, Copa do Mundo e, principalmente, a indefinição no campo político em virtude das eleições. O fretamento contínuo sofreu bastante com a retração econômica, enquanto o turismo rodoviário se manteve mais estável”, informou Rocha.

TECNOLOGIA

Souza acredita que seja necessário diminuir a excessiva regulamentação que rege o setor. “A principal missão hoje da ANTT nas áreas em que ela regula é reduzir o fardo regulatório, que consiste na redução de regras que não sejam necessárias ou essenciais e também na transformação de regras em mecanismos de entrada para determinada entidade econômica ou mecanismos de manutenção nessa atividade que sejam menos onerosos do ponto de vista financeiro e econômico. Por exemplo, estimular a integração da base de dados da administração federal ou estadual, evitando que a empresa apresente certidões, manuais e, criando essa integração, reduzindo esse fardo”, disse.

A certificação eletrônica também é vista como alternativa positiva pela ANTT. “Os controles precisam ser feitos de forma automatizada. O Brasil está implantando a ICP [Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras], que é uma certificação que torna automática a informação se aquele documento é ou não válido e possibilita a utilização do documento eletrônico. No futuro, o Brasil migrará para a criação do documento único de transporte, por exemplo”, comentou. Segundo o superintendente, o uso da tecnologia regulamentada é uma tendência que pode contribuir com redução do fardo regulatório da agência.

Jurandir Fernandes, presidente da Divisão América Latina da Associação Internacional de Transporte Público (UITP, na sigla em inglês), lembrou a importância de o mercado acompanhar as tendências trazidas pela tecnologia e pelas mudanças no modelo de negócios. O especialista afirmou que a mobilidade já é impactada por inovações como inteligência artificial, robótica, blockchain, carros autônomos, elétricos e aplicativos para transporte. “Não dá para ficar alheio ao que está acontecendo. O importante é buscar conhecimento e encontrar as oportunidades que essa evolução da tecnologia proporciona”, alertou.

Fernandes afirmou que o setor de fretamento pode encontrar diferentes nichos de mercado se estiver atento às mudanças no perfil dos usuários. Em sua opinião, “as empresas desse segmento podem proporcionar serviços mais personalizados e mais prazerosos para o usuário, com horários flexíveis, mas previsíveis. Essas são demandas das pessoas na atualidade: customização de serviços e produtos, além de comodidade. A tecnologia evoluiu muito rápido e os passageiros vivem essa realidade, tornando-se mais exigentes”.

Martinho Moura, presidente da Anttur, ressaltou que hoje não basta que a empresa ofereça um serviço correto, pois as exigências se tornaram mais amplas. “É preciso pensar em mobilidade e sustentabilidade. Atualmente, não podemos apenas ser bons com o passageiro, temos que contribuir também para a melhoria das cidades. Precisamos entender esse mundo conectado e tecnológico que se transforma rapidamente”.

A diretora executiva da Fresp afirmou que o objetivo desses eventos promovidos pela Fresp é levar conhecimento para as empresas do setor. “Buscamos mostrar como a inovação pode impactar os negócios. A tecnologia, que tem revolucionado o mercado, ainda é um tema complexo para as empresas de fretamento. Precisamos trazê-la para o dia a dia. É importante descobrir novos nichos e usar as inovações para alavancar oportunidades.”

 

PALESTRAS

O encontro também contou com uma série de palestras. Edélcio Tirado Ludovice, engenheiro especializado em segurança do trabalho e consultor empresarial especialmente do setor de transporte, abordou as cotas de menor aprendiz e deficientes nas empresas de fretamento, apontando as oportunidades que essas obrigações legais podem trazer para as empresas. “Uma dificuldade que existe é formar motoristas pelo programa Menor Aprendiz, em um período de dois anos, o que é insuficiente para termos um profissional adequadamente habilitado.”

Robson Rodrigues Pereira, doutorando em teoria econômica na Universidade de São Paulo (USP), abordou o tema “Economia, Cenário e Tendências”, com destaque para as perspectivas do setor de transportes. “As vendas de ônibus cresceram 27%, no mercado interno. Outro fator positivo é o desemprego que reduziu os salários. As oportunidades para o fretamento começam a crescer no segmento de serviços, enquanto a indústria ainda reage lentamente.” Conforme mencionou, os fatores de risco para as empresas são: preço do petróleo, custo da energia e a nova tabela de fretes no transporte de cargas.

A tecnologia na gestão de negócios foi o tema tratado por Sidney Severini Júnior, especializado em ferramentas de gestão e conselheiro de administração certificado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBCG). “Inovação pressupõe a disposição para correr riscos. A base de dados da empresa precisa ser usada para ajudar na tomada de decisões, ou seja, a tecnologia deve contribuir para a gestão do negócio. A ferramenta de gestão depende do perfil de cada empresa, é necessário avaliar cuidadosamente”, afirmou.

Luís Rasquilha, CEO da Inova Consulting, com experiência de consultoria na Europa, África, Estados Unidos e América do Sul, tendo trabalhado como consultor para dez das 50 empresas mais inovadoras do mundo, discutiu se as empresas estão realmente preparadas para as tendências do futuro. ”Hoje, as pessoas estão conectadas e isso muda tudo. Sofremos transformações que não têm relação apenas com os negócios, mas também com a conectividade. E o Brasil é o quarto país mais conectado do mundo. Por isso, devemos atuar com base no pensamento crítico e na criatividade. Precisamos entender que o poder agora está com o cliente e não mais com as empresas”, ressaltou.

Para encerrar o ciclo de palestras, o palestrante profissional Marcelo de Elias questionou se as empresas do setor preferem ser vítimas ou protagonistas das transformações que acontecem no setor de transportes e em relação à mobilidade. “O mais importante é entender o que o cliente quer de você, sem ter medo das mudanças. Abrace a inovação: seja diferente. O importante é não se acomodar para não ser sufocado pela avalanche de inovações que nos atinge”, explicou.

Na opinião do presidente da Fresp, as palestras agradaram bastante aos participantes. “O evento foi muito positivo. As palestras abordaram assuntos que interessam a todos nós, mas de forma leve e agradável. No próximo encontro, no ano que vem, pretendemos realizar um evento ainda maior, em São Paulo, para atrair mais participantes”, afirmou Tamelini.

 

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