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Setor deve liderar e não impedir as inovações em mobilidade urbana na quarta revolução industrial, diz Jurandir Fernandes, presidente da UITP América Latina

Categoria: Matérias

Publicado em 3 ago 2018

10 minutos

Setor deve liderar e não impedir as inovações em mobilidade urbana na quarta revolução industrial, diz Jurandir Fernandes, presidente da UITP América Latina

O presidente da União Internacional de Transportes Públicos – Divisão América Latina (UITP/DAL), engenheiro e professor Jurandir Fernandes, descreve o que acontece na mobilidade urbana com os avanços da quarta revolução industrial e conclama o setor a liderar e não bloquear todo o significativo processo de inovação em andamento.

Por Alexandre Asquini

O presidente da União Internacional de Transportes Públicos – Divisão América Latina (UITP/DAL), engenheiro e professor Jurandir Fernandes, fez uma análise da mobilidade urbana latino-americana ao participar em maio, na Cidade do México, do 10º Congresso da Associação Mexicana de Transporte e Mobilidade (AMTM). Ele descreveu os principais aspectos do que vem acontecendo no segmento de mobilidade urbana com os avanços trazidos pela quarta revolução industrial, conclamando o setor a liderar e não bloquear todo o amplo processo de inovação que progressivamente vem se instalando.

Inicialmente, referindo-se a pronunciamentos de especialistas e dirigentes que o antecederam naquela sessão do encontro, disse que o transporte público vive dias difíceis frente a crises políticas e econômicas presentes nos países da região, sublinhando que a dificuldade decorre também do impacto das novas tecnologias que deram origem à quarta revolução industrial, surgida no final do Século 20. “Essa revolução se caracteriza principalmente pelos equipamentos móveis conectados à Internet, à nuvem; por sensores cada vez mais potentes e mais baratos, pela inteligência artificial e pela capacidade de aprendizagem das máquinas. São essas as principais características dessa revolução que estamos todos vivendo”.

Ele continuou, afirmando que a revolução anterior – a revolução informacional nascida em meados do Século 20, com o advento da eletrônica – já se apoiava em hardwares, softwares e redes que foram se tornando mais sofisticados, mais integrados, espalhando-se por todos os ramos das ciências exatas, das ciências sociais e das ciências biológicas. E disse que, como resultado, neste movimento, há um mundo novo, no qual os sistemas físicos e virtuais interagem, originando novos produtos, novas tecnologias e novos negócios. Alteram-se comportamentos pessoais e sociais. Relações de trabalho também se modificam, assim como mudam as formas de produção e de consumo. E frisou que os velhos empregos são eliminados e se criam outros a uma escala jamais vista pela humanidade.

“A América Latina, com seis 630 milhões de habitantes, a segunda região mais urbanizada do mundo, e que possui duas das cinco maiores aglomerações urbanas do planeta, Cidade do México e São Paulo, poderá tirar proveito da quarta revolução, dando saltos de qualidade em um dos maiores desafios das grandes cidades, que é o da mobilidade urbana”, enfatizou.

COMO APROVEITAR

Jurandir Fernandes pergunta o que fazer para aproveitar essa “onda 4.0” e passa a apresentar os pontos que constroem a sua resposta. Diz que os custos relativos à mobilidade afetam decisões tipicamente associadas aos habitantes das cidades, citando como exemplos a escolha do lugar de residência ou do lugar de trabalho, ou, ainda decisões a respeito da compra de veículos particulares. “Portanto, desde já, precisamos orientar nossas cidades para o transporte urbano”, afirma, recomendando que as cidades latino-americanas sejam planejadas de modo a levar em conta espaços para corredores de ônibus, sistemas sobre trilhos, bicicletas, terminais e estações integradas à cidade, com áreas para os serviços públicos, para o comércio, instalações culturais, bancos e outros serviços financeiros.

Também assinala ser necessário agir imediatamente, com a formulação de propostas de mudanças nos marcos regulatórios, de modo a adequá-los a uma realidade muito mais complexa, com novas tecnologias, novos atores, novos negócios e novos comportamentos dos cidadãos.

Desbloquear obras de infraestrutura. O dirigente da UITP regional acrescentou: “É preciso desbloquear as obras de infraestrutura por essa América Latina toda – obras que estejam atrasadas ou paralisadas, com prioridade para aquelas que aumentam a eficiência do transporte público. É preciso fazer nossas cidades inteligentes, integrando o governo eletrônico – o e-government – a uma plataforma digital única, com um projeto de mobilidade que leve em conta a integração de todos os meios de transporte, motorizados ou não motorizados”.

TENDÊNCIAS PARA O CURTO PRAZO

Ao apontar tendências para o curto prazo, Jurandir Fernandes sustenta que as plataformas digitais oferecerão transporte sob demanda, de modo complementar ao transporte público de média e de alta capacidade, fazendo a rede mais eficiente e com maior qualidade para o passageiro.

“Os transportes de média e alta capacidade serão praticamente os mesmos; a grande revolução poderemos fazer na alimentação desse sistema. O último trecho da viagem – a ‘last mile’, como alguns chamam – poderá ser feito com veículos menores, operados sob demanda, ou por bicicletas ou por carros compartilhados, todos eles integrados em uma mesma plataforma digital”, diz, acrescentando que a política tarifária deverá ser flexível, podendo ser dinâmica em função da demanda, com o controle do estado no caso do transporte público, operando sob concessão e de forma livre, em caso de sistemas competitivos, como aqueles que usam de aplicativos, por exemplo.

“O sistema de pagamento deverá ser integrado e único entre os diferentes modais e poderá contemplar outros serviços oferecidos pela cidade inteligente: pagamento de estacionamento, aluguel de bicicletas e de carros, enfim, outros serviços. As informações, avisos e alertas aos passageiros estarão on-line, nos aplicativos baixados pelos passageiros em seus smartphones”.

Entre as possibilidades abertas pelo uso dos ‘smartphones’ – um grande investimento já feito pela sociedade –, destaca que será possível economizar recursos públicos consideráveis, de uma maneira que há alguns anos não seria possível.  “Os smartphones tornam desnecessária a instalação de painéis em cada ponto de parada. Os painéis com os horários das partidas existirão apenas nos terminais e estações. Economizaremos recursos imensos de investimento e custeio, sobretudo para a manutenção de painéis que corriqueiramente apresentam defeitos ou são vandalizados. Definitivamente, hoje, não precisamos fazer como fez a França, que colocou painéis em cada ponto de parada; fizeram aquilo porque não havia ‘smartphones’ naquele tempo”.

Novas receitas. No entendimento de Jurandir Fernandes, a digitalização trará novas frentes de receita às empresas do setor. “A publicidade digital dinâmica, a prestação de serviços conexos, a captura de valor da base de dados são alguns exemplos. Novas fontes de receitas poderão surgir por meio de ações associadas com plataformas de compartilhamento de carros ou de bicicletas, pacotes de turismos e cultura, além de convenções e exposições combinadas com os serviços de transporte público. As plataformas permitirão esses acordos comerciais mais facilmente”.

O dirigente da UITP – Divisão América Latina frisou ainda que, em médio prazo, haverá a automatização, digitalização e eletrificação que acarretarão redução dos custos de funcionamento e manutenção, sublinhando, entretanto, que,para os investimentos iniciais nesses campos, serão necessários incentivos governamentais.

SETOR DEVERÁ LUTAR POR SEU ESPAÇO

Próximo de concluir seu raciocínio, Jurandir Fernandes diz estar seguro de que a mobilidade oferecida como um serviço integrado fortalecerá o papel social do transporte público, sem afetar o equilíbrio econômico do setor. “As inovações em andamento assim como sua importância em um mundo em crescente urbanização colocaram a mobilidade urbana nas pautas dos governantes, do público, e do mercado industrial e de serviços. Em consequência, esse tema é pauta hoje nos meios de comunicação. Todos os dias! Nesse cenário, o setor precisa demonstrar que é consciente de sua importância, que é consciente de sua responsabilidade, que é consciente de sua capacidade de adaptação aos novos tempos. O setor deverá liderar este processo de inovação. Repito: deveremos liderar esse processo deinovação. E não impedi-lo!”.

Segundo o dirigente, as mudanças alcançam e afetam toda a cadeia de produção de transporte público: recursos humanos, veículos, equipamentos, edificações, os procedimentos de processos desde a operação até a governança das empresas.

Ele acrescenta que novos atores surgirão no mercado de ‘Mobilidade como Serviço’ (MaaS), a exemplo do que vem ocorrendo com plataformas como Uber, Cabify, Lift, Didi, 99 e outras. “As grandes fabricantes de automóveis e de ônibus planejam vender os serviço e não somente o veículo. Ford, Volvo, GM, Mercedes-Benz, Volkswagen, Renault, Nissan, Toyota, Hyundai, Fiat-Chrysler e BMW além da audaciosa Tesla estão todos trabalhando com planos nessa linha ao lado de gigantes da era digital, como Google, Intel, Amazon e Baidu. Este novo mercado, com estes novos players, oferecerá grandes oportunidades e ao mesmo tempo grandes desafios aos atuais operadores de transporte público. Serão necessários grandes investimentos que assegurem a qualidade dos sistemas de telecomunicações, que é um problema dos governos, que devemos pressionar para que atuem com rigor nesta questão. É inquestionável que teremos de lutar para que os governos façam esses investimentos. Alta velocidade de conexão e cobertura total do território são condições necessárias para podermos ter cidades inteligentes”.

Jurandir Fernandes diz também que haverá a necessidade de qualificaçãodos recursos humanos e de melhorar a educação, desde o básico até as universidades.  “É urgente a necessidade de atualizar os recursos humanos técnicos orientados ao nosso setor”.

Um grande desafio para as grandes cidades será considerar os problemas desde a concepção dos aglomerados urbanos e não circunscrever-se a localidades.

Este conflito se faz mais relevante à medida que se trata de centralizar o manejo de informações e opções de transporte em uma só plataforma. A falta de coordenação e de regulações entre diferentes esferas de governo envolvidas pode ser um freio importante ao desenvolvimento de cidades inteligentes com mobilidade integrada.

Por fim, na visão de Jurandir Fernandes, outro grande desafio é o de dar agilidade às decisões que dependem do poder público – geralmente atrasado e em grande parte incompetente. “Devemos ter foco e metas bem definidas. O que queremos para nossas cidades, para nosso país? Basta de diagnósticos sobre diagnósticos. É preciso terminar o que está sendo feito e começar já o inadiável“, disse, concluindo: “A descontinuidade de governos e o curto espaço de tempo entre as eleições contribui para a falta de compromisso das autoridades que em boa medida ocupam cargos como trampolim e não para servir sua cidade ou seu país”.

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