Categoria: Matérias
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Publicado em 11 mar 2019
12 minutos
ALEXANDRE ASQUINI
Em fevereiro de 2019, a Trans Sistemas de Transportes Ltda – T’Trans logrou levantar a recuperação judicial requerida há dois anos e agora se prepara para engatar a retomada dos negócios, segundo conta nesta entrevista o seu presidente, o engenheiro eletricista e empresário Massimo Giavina-Bianchi. A idéia é participar de novos projetos no setor de trens de passageiros e retornar à produção de vagões. Além disso, a empresa já desenvolve testes visando à homologação de protótipo de ônibus elétrico para rotas com extensão de aproximadamente 400 quilômetros e se prepara para se projetar no mercado como uma holding do setor metroferroviário.
MOBILITAS – O senhor é engenheiro eletricista e empresário e costuma dizer que o início da T’Trans traduz um pouco de sua história.
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Sim. Só no setor, estou há quase 50 anos. Passei pela área de consultoria, por muitos dos grandes projetos metroferroviários no Brasil, como a Ferrovia do Aço, estudos de viabilidade dos trens de passageiros em Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife, projetos em São Paulo e Rio de Janeiro. Daí, fui para a indústria e mais tarde negociei a venda da empresa onde eu estava para Alstom, que já operava no Brasil, mas não na área ferroviária. Fundei a GEC Alsthom Transporte do Brasil Ltda., hoje Alstom Energia e Transporte do Brasil, da qual fui o primeiro presidente. Negociamos a compra da Mafersa. Mais tarde, resolvi criar a minha empresa com alguns sócios que me convidaram. Fundamos a T’Trans em outubro de 1997, para atuar na área metroferroviária.
MOBILITAS – O senhor diria que é uma empresa bem-sucedida?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Com a T’Trans, fomos bem sucedidos. Estamos em seis Estados. Já no início, defendi que precisávamos ter uma base industrial e para concretizar essa decisão foi escolhida a Santa Matilde, no município fluminense de Três Rios. Fizemos essa escolha porque a Mafersa já era a Alstom e a Cobrasma era muito grande e não fazia sentido nós assumirmos uma empresa daquele tamanho. Começamos na Santa Matilde e mais tarde compramos uma área da Rede Ferroviária Federal, na própria cidade de Três Rios, onde estamos até hoje. Ali temos as instalações referentes à parte de material rodante.
MOBILITAS – E para as outras atividades?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Temos instalações em São Paulo, que abrigam a parte eletrônica, envolvendo a bilhetagem eletrônica para sistemas de passageiros. Centro de Controle Operacional. Ali também está abrigada a parte de sistemas, não quanto à fabricação, mas no que diz respeito a serviços de engenharia e de acompanhamento quanto à energia, sinalização e telecomunicação. Então, atuamos na área de sistemas móveis, com o material rodante, e na área de sistemas fixos, que são todos os sistemas que devem ser agregados para que o transporte metroferroviário possa funcionar. A T’Trans apenas não desenvolveu a parte de obras civis e de via permanente, quanto ao restante, temos atestados em todas outras áreas.
MOBILITAS – É uma empresa que agrega ao setor?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – A criação da T’Trans foi uma ideia minha, desenvolvida dentro da mobilização da campanha Brasil Trem Jeito, de fortalecimento do setor ferroviário de cargas e do transporte ferroviário de passageiros. E fomos felizes nessa empreitada de criação da empresa. Hoje ela tem uma posição no mercado que considero relevante, com uma base industrial e know-how na execução de sistemas de sinalização, de telecomunicações toda essa parte de acessórios ao sistema fixo. Então, creio que posso responder afirmativamente à sua pergunta.
MOBILITAS – Como a crise econômica encontrou a T´Trans?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Nesta década, até 2015, a T’Trans se envolveu em uma série de projetos importantes, como Salvador, Recife, SuperVia, Metrô do Rio de Janeiro, sistemas em Belo Horizonte Porto Alegre e São Paulo. Também fizemos uma associação internacional por meio da qual nos envolvemos na fabricação do sistema de VLT de Santos; dos 22 trens do sistema, fabricamos 19. Porém, em 2015 não tinha mais nenhum grande projeto e já estávamos concluindo as encomendas em carteira, como o pedido do Metrô de São Paulo, que nos encomendou 150 carros de metrô para a Linha 3, e os pedidos do VLT de Santos.
MOBILITAS – As encomendas sumiram totalmente?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Para ser preciso, não houve mais nenhum grande contrato; recebíamos encomendas quanto a serviços de bilhetagem e alguns projetos de menor porte para atendimento a cliente. Também abrimos uma linha de serviços de manutenção de trens e isso nos deu certo fôlego para existirmos até hoje. Fizemos a manutenção para SuperVia, para o Metrô de Belo Horizonte e CPTM.
MOBILITAS – A que o senhor atribui os tempos de dificuldades da empresa?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Decorreram basicamente do projeto empréstimo que nós fizemos juntos à rede bancária, que nos cobrava 3,97% ao mês. Havíamos tentado, mas não conseguimos recursos junto ao BNDES. O BNDES entendia que não poderia emprestar porque as garantias que estávamos oferecendo compunham nosso patrimônio. Então chegou um momento em que não tínhamos mais crédito, mesmo pagando juros absurdos ao sistema bancário. Assim, não houve outro jeito: tivemos que solicitar a recuperação judicial. Mas eu quero ressaltar que em todo esse período mantivemos os salários em dia. Nunca atrasamos os salários!
MOBILITAS – Não havia alternativa para enfrentar as dificuldades?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Não tinha como! Sem grandes contratos, realmente não tinha como. Assim, em março de 2017, pedimos a recuperação judicial, que foi aceita. Em seguida, tomamos todas as providências necessárias para enfrentar a situação. Contratamos um escritório jurídico para nos assistir no levantamento de todos os dados referentes aos credores, incluindo as informações relativas aos bancos e também os dados trabalhistas. Eu transferi as minhas ações para um empreendedor, Sidnei Piva, que, com sua experiência, nos ajudou a estruturar toda a parte tributária, fiscal. Resolvida a parte fiscal, procuramos equacionar a parte trabalhista e as questões relativas aos credores. Na parte trabalhista, tivermos a sorte de o Governo do Rio de Janeiro ter-nos pagado os atrasados nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2018, entregando-nos ainda uma encomenda para a fabricação de três VLTs do sistema de Santa Teresa, um contrato que estava parado havia quatro anos.
MOBILITAS – Esses recursos vieram em boa hora.
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Esses recursos geraram um caixa e isso nos permitiu fazer uma equação para regularizar a situação toda. Naquele momento, decidimos pedir a assembleia geral de credores, que foi realizada na quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019, com final feliz.
MOBILITAS – O que aconteceu exatamente?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Nós resolvemos toda a parte concernente aos trabalhadores. Foi 100%! Quanto aos credores, apresentamos um plano de recuperação e pedimos uma redução da dívida, o que foi aceito pela administração judicial e homologado pelo juiz. Então, estamos levantando a recuperação judicial. Estamos novamente zero quilômetro. Agora é tocar para frente.
MOBILITAS – O que existe no horizonte?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – O crescimento. É nisso que estamos empenhados. Estamos envolvidos em vários projetos no Brasil; são projetos de média e longa maturação, mas estamos presentes.
MOBILITAS – O senhor pode citar exemplos concretos?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Com nosso novo acionista, decidimos voltar a fabricar vagões de carga e estamos dotando a fábrica em Três Rios dos elementos necessários para viabilizar essa produção. Além disso, decidimos fabricar o primeiro ônibus elétrico rodoviário. Nosso projeto é desenvolver um veículo totalmente elétrico, de características rodoviárias, para a ligação Rio-São Paulo. É uma inovação tecnológica. Agora em fevereiro, o projeto completou três meses. Estamos muito confiantes, pois, uma vez comprovada a eficiência do veículo e depois de sua homologação, teremos garantido um pedido de mais de 200 ônibus elétricos.
MOBILITAS – E esse projeto se concretizará em quanto tempo?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Nossa ideia é fazer o protótipo circular dentro da fábrica em março de 2019 e no mês seguinte, em abril, poderemos ir para a rua para fazer todos os testes de homologação que são necessários. Creio que neste ano ainda teremos esse protótipo viabilizado. A colocação do veículo na ligação entre Rio de Janeiro e São Paulo é apenas a parte inicial do projeto; queremos dar continuidade atendendo a outras linhas dentro de um raio de 400 km a partir de São Paulo, por exemplo, a rota para Curitiba, outras cidades de São Paulo, Sul de Minas e do Estado do Rio de Janeiro.
MOBILITAS – Os 400 quilômetros têm a ver com a questão da autonomia do veículo?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Tem, também. Nosso veículo tem uma autonomia de 500 quilômetros. No caso da ligação entre Rio de Janeiro e São Paulo, teremos um posto intermediário de abastecimento porque não dá para confiar que essa autonomia será suficiente. Obviamente, não podemos trabalhar no limite. Vamos ter um posto de abastecimento na metade do caminho, justamente para enfrentar a hipótese de congestionamentos na chegada a São Paulo e ao Rio de Janeiro, um dos fatores que impedem que confiemos no limite. O posto de recarga será em um desses restaurantes da Via Dutra acostumados a receber passageiros para um lanche e compras. Será uma parada de 30 minutos, prazo habitual nessa rota e tempo suficiente para recarregar adequadamente as baterias.
MOBILITAS – O projeto envolve operação da linha?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Não. A exploração será feita por empresas que prestam esse serviço. Nós somos apenas fabricantes. Não vamos nos envolver na parte operacional.
MOBILITAS – E quanto ao futuro imediato do país e a recuperação da economia?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Nós estamos muito animados porque acreditamos que será equacionada a questão da Previdência e, assim, o Brasil passará a ser muito atrativo. Nós temos percebido que, se vier a ser aprovada a mudança previdenciária, os capitais estrangeiros virão para o Brasil. Como desdobramento desse entendimento, estamos nos preparando para entrar em projetos de Parceria Público-Privada (PPP), considerando a perspectiva do grande desenvolvimento na área da mobilidade urbana. Por exemplo, estamos participando da proposta de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) lançada na primeira quinzena de fevereiro em Brasília. Trata-se do primeiro projeto de que estamos participando e se refere à implantação do VLT na capital federal. E será uma PPP.
MOBILITAS – Pela forma como o senhor se coloca, dá a entender que as PPPs serão muito importantes no novo momento da vida econômica brasileira?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – De fato, não vejo saída para o Brasil a não ser por meio das PPPs, porque não há recursos suficientes no governo para investir nas necessidades prementes que temos no campo da mobilidade urbana. Nesse sentido, os projetos que enxergamos passam pelo estabelecimento de alianças com outras empresas privadas para participar desse mercado. Reitero minha colocação anterior: temos perfeitas condições de participar de projetos metroferroviários, com exceção das obras de construção civil e via permanente. Para todas as outras partes, a T’Trans tem base instalada e está perfeitamente habilitada para isso e ostentando uma condição significativa: o conhecimento do mercado. Eu consegui preservar as nossas equipes de engenharia. Nós estamos prontos para participar desses projetos que vão depender de recursos de investidores estrangeiros, mas também de apoio do governo também via BNDES, FAT etc. Nosso grande salto vai ser esse.
MOBILITAS – E quanto ao transporte de cargas?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Bem, nesse campo, entendemos que será feita a renovação das concessões e, em acontecendo isso, vamos ter um mercado enorme. Nós estamos bastante confiantes, pois as são claras as necessidades de mais vagões para atender a logística brasileira, para atender as concessionárias existentes e as novas ferrovias. Esperamos ter uma pequena parcela desse mercado atendido já por dois fabricantes; nós seremos o terceiro fabricante, mas, sem dúvida, teremos espaço nesse mercado, que é essencialmente privado.
MOBILITAS – Estamos encerrando a nossa entrevista. Algum outro ponto significativo sobre o qual o senhor gostaria de falar?
MÁSSIMO GIAVINA-BIANCHI – Nós estamos fazendo outra coisa que eu não posso revelar ainda. Será uma grande holding no setor metroferroviário, de transporte de passageiros e de carga. E envolverá outras empresas além da atual T’Trans. Mas não posso falar mais sobre esses planos. É uma questão para daqui a 30 ou 60 dias (NR – entre o final de março e a segunda quinzena de abril de 2019). Nesse prazo, faremos a divulgação. Digo apenas que estamos negociando para comprar outras empresas no setor metroferroviário.
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