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Fundos públicos são o caminho para viabilizar o transporte público durante e depois da pandemia, diz o empresário brasileiro de transporte urbano por ônibus Edmundo Pinheiro

Categoria: Matérias

Publicado em 23 ago 2020

7 minutos

Fundos públicos são o caminho para viabilizar o transporte público durante e depois da pandemia, diz o empresário brasileiro de transporte urbano por ônibus Edmundo Pinheiro

MARCIA PINNA RASPANTI

Edmundo Pinheiro é presidente do grupo HP Transportes, que compreende as empresas HP Transportes Coletivos, em Goiânia, e Urbi Mobilidade, em Brasília. É também conselheiro da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

Nesta entrevista, ele aborda os efeitos da pandemia no transporte de passageiros, incluindo os impactos que deverão ser sentidos por vários meses, mesmo após o fim das medidas restritivas.

Falando da realidade brasileira, ele disse: “Acredito que, à medida que a pandemia for diminuindo, a atividade econômica seja retomada lentamente e, desta forma, o transporte público provavelmente continuará enfrentando uma demanda ainda reduzida. Sendo assim, o transporte público precisará de suportes públicos para fornecer mais segurança e qualidade de serviço de modo a reavivar a confiança dos passageiros que possam ter medo de compartilhar o espaço com outras pessoas”.

O empresário entende que a crise gerada pelo coronavírus poderá acelerar as mudanças que já vinham se desenhando no setor de mobilidade e transporte de passageiros. “Acredito que a inovação neste momento deva ser voltada para repensarmos o modelo de negócio do setor, no qual o cliente será o poder público e este é quem deve se relacionar com o cliente final, ou seja, o usuário dos serviços. Antes desta crise, o foco vinha sendo nas novas tecnologias para que contribuíssem para com a eficiência dos processos, para a melhoria dos serviços (produtos) e também dedicamos muita atenção no desenvolvimento e mudança do mindset das pessoas que trabalham nas empresas de transporte”, diz. Outro ponto importante é o papel do poder público, pois o transporte público coletivo é um serviço público essencial.

ANUÁRIO – A pandemia afetou fortemente o setor de transporte público devido às medidas de isolamento social. Quais devem ser os efeitos para o setor nos próximos meses?

Esta entrevista foi originalmente publicada no Anuário do Ônibus e da Mobilidade Urbana 2020, da OTM Editora, Brasil.

EDMUNDO PINHEIRO – A pandemia vem se mostrando um evento definitivo para a desestruturação do transporte público no Brasil. Pois, mesmo sendo considerado um direito social previsto na Constituição federal, o sistema de transporte público era visto na maioria das cidades brasileiras como um serviço privado e, portanto, não precisava da participação do poder público. A crise demonstrou que o transporte público coletivo, que é um serviço público essencial, foi atingido pelas medidas restritivas e acabou ficando sem recursos para manter o sistema funcionando. Evidenciou que ele não consegue mais ser financiado somente pela tarifa paga pelos usuários, como acontece na Região Metropolitana de Goiânia e na maioria das cidades e capitais do Brasil. Acredito que, à medida que a pandemia for diminuindo, a atividade econômica seja retomada lentamente e, dessa forma, o transporte público provavelmente continuará enfrentando uma demanda ainda reduzida. Sendo assim, o transporte público precisará de suportes públicos para fornecer mais segurança e qualidade de serviço de modo a reavivar a confiança dos passageiros que possam ter medo de compartilhar o espaço com outras pessoas.

ANUÁRIO – O que fazer para reduzir esses impactos?

EDMUNDO PINHEIRO – Este efetivamente é um momento para repensar o modelo de financiamento, visando apoiar e transformar os modelos de contratos de concessões do transporte público. Financiar o transporte público apenas com tarifas tem sido um desafio contínuo e a criação de fundos públicos parece ser o caminho inevitável para viabilizar a manutenção e melhoramento dos serviços durante e depois da pandemia, a exemplo do que já ocorre nos países mais desenvolvidos em todo o planeta.

ANUÁRIO – Em termos de mobilidade, a pandemia deve trazer mudanças profundas na forma como as pessoas se locomovem?

EDMUNDO PINHEIRO – Estamos percebendo que, como resultado desta pandemia, os sistemas de transportes deverão evoluir para poder compreender as novas necessidades de deslocamentos das pessoas. Novas opções de transporte poderão surgir com o objetivo de diminuir o contato entre as pessoas durante as viagens. E a própria necessidade de se deslocar está sendo alterada, por exemplo, devido à expansão do tele-trabalho, ensino a distância, telemedicina, aplicativos de entregas e expansão do e-commerce.

ANUÁRIO – O transporte sob demanda deve ser uma tendência? Como a pandemia afetou o serviço CityBus 2.0?

EDMUNDO PINHEIRO – Nós, da HP Transportes, acreditamos que o transporte sob demanda e a mobilidade compartilhada possuem uma fatia importante dentro do mercado de deslocamentos pelo espaço urbano e que estas soluções devem crescer cada vez mais em conjunto com os avanços tecnológicos. Entretanto, é importante ressaltar que a solução sob demanda é muito eficiente em deslocamentos de curta distância e ineficiente em deslocamentos de longa distância. Isto faz com que o transporte público coletivo seja o modo de deslocamento estrutural das cidades. A pandemia nos atingiu no momento de expansão do serviço e fez com que a demanda fosse reduzida em 80%, mas também criou uma janela de oportunidade para criação de novas soluções que já estão sendo desenvolvidas e que em breve poderão ser testadas.

ANUÁRIO – O uso de aplicativos para transporte deve se intensificar?

EDMUNDO PINHEIRO –Esta é uma resposta complicada. Creio que a mudança provocada pela pandemia irá alterar a forma de deslocamento das pessoas, uma vez que as aglomerações são consideradas vetores da doença. Tal situação irá enfraquecer viagens compartilhadas em carros de pequeno porte como no caso do Uber e também em veículos sem comprovação de uma higienização correta. É por isso que acredito em serviços compartilhados por veículos de maior capacidade, em que as pessoas podem ficar mais dispersas dentro do miniônibus, e com suporte de empresas que reconhecidamente garantam uma melhor higienização dos veículos, e medidas de segurança deverão se intensificar. Soluções como Uber e 99 que utilizam motoristas autônomos e sem um padrão de qualidade especificado podem ser os maiores perdedores no pós-pandemia.

ANUÁRIO – Como o poder público pode ajudar os operadores de transporte?

EDMUNDO PINHEIRO – É importante que o poder público assuma o seu papel, uma vez que o transporte público coletivo é um serviço público essencial. Nós não estamos pedindo socorro para as empresas concessionárias, e sim ressaltando a importância deste serviço para os usuários que necessitam do mesmo até para suas atividades básicas. Destaco que sem a participação do Estado no custeio do transporte público coletivo, o mesmo não terá sustentação. Nós pedimos é que o “dono” diga como pretende equacionar a manutenção da oferta dos transportes públicos em um cenário no qual seus usuários não mais conseguem financiar esses serviços.

ANUÁRIO – Como a tecnologia e a inovação podem ajudar os operadores de transporte coletivo neste momento?

EDMUNDO PINHEIRO – Acredito que a inovação neste momento deve ser voltada para repensarmos o modelo de negócio do setor, no qual o cliente será o poder público e este é quem deve se relacionar com o cliente final, ou seja, o usuário dos serviços. Antes desta crise, o foco vinha sendo nas novas tecnologias, para que contribuíssem para com a eficiência dos processos, para a melhoria dos serviços e produtos. Também dedicamos muita atenção ao desenvolvimento e mudança do mindset das pessoas que trabalham nas empresas de transporte. Agora, a profundidade da crise decorrente da pandemia da Covid 19 sugere que a transformação seja não apenas na digitalização do setor, implicando a mudança das bases nas quais o negócio está assentado desde seus primórdios. O problema é estrutural e a tecnologia sozinha não poderá resolver o problema. Importante é ter em mente que as crises são aceleradoras naturais para que as transformações ocorram mais rapidamente, e é certo que as cidades continuarão necessitando do transporte público coletivo, pois não existe melhor meio para uma mobilidade urbana mais sustentável.

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