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Sensores em ônibus urbanos permitem melhor resolução para mapas de poluição nas cidades. Entrevista com o doutor em engenharia de transporte brasileiro Alessandro Santiago, do IPT.

Categoria: Matérias

Publicado em 10 abr 2019

7 minutos

Sensores em ônibus urbanos permitem melhor resolução para mapas de poluição nas cidades. Entrevista com o doutor em engenharia de transporte brasileiro Alessandro Santiago, do IPT.

POR ALEXANDRE ASQUINI

Sensores de poluição atmosférica instalados em ônibus urbanos regulares estão trazendo uma qualidade inédita às medições dos níveis de poluição e qualidade do ar em testes realizados no Brasil. A solução tem potencial para ser aplicada no estudo da contaminação ambiental em diferentes cidades brasileiras e de outros latino-americanos.

Enquanto os sensores estacionários atuais permitem análises com um alcance em escala quilométrica, os sensores instalados nos ônibus possibilitam a construção de mapas da poluição urbana com uma resolução de 100 metros. 

O equipamento desenvolvido pelo projeto não têm toda a precisão de uma estação fixa de monitoramento, cujo custo varia entre USD 350 mil e USD 500 mil, mas tem atributos positivos: custo de USD 5 mil e manutenção mais simples, podendo ser aplicado como instrumento complementar onde ainda não existam estações fixas.

“A regularidade do trajeto dos ônibus e os locais por onde esses veículos passam – normalmente áreas de maior concentração populacional – são bons instrumentos para o sensor”, afirma o doutor em Engenharia de Transportes Alessandro Santiago, idealizador dos sensores embarcados e coordenador de um projeto sobre esse recurso desenvolvido no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), centenária organização vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, Brasil. Nesta entrevista, o pesquisador fala sobre o projeto e seus primeiros resultados.

MOBILITAS – Como surgiu a ideia de levar sensores de poluição atmosférica para dentro dos ônibus?

ALESSANDRO SANTIAGO – A concepção da ideia surgiu em conjunto com o desenvolvimento de minha tese de doutorado em Engenharia de Transporte pela USP. Procurávamos uma alternativa inovadora para mapear a poluição do ar em cidades, principalmente porque os veículos são um dos principais vetores de poluentes em centros urbanos. Sendo assim, hospedar sensores em cima dos ônibus coletivos para mapear as cidades em alta resolução poderia oferecer uma perspectiva de visualização inovadora, e com mais informações sobre as características do meio urbano.

MOBILITAS – Há uma equipe dedicada a isso desde o início. Quem integra esse grupo?

ALESSANDRO SANTIAGO – O IPT possui equipe multidisciplinar. A equipe principal é composta pelo técnico Roberto Gonçalves, o engenheiro elétrico Ícaro Gonçales e pelo geógrafo e mestre em saúde pública Luiz Gustavo Faccinio, responsável pela elaboração dos mapas de poluição com apoio de ferramentas GIS.

MOBILITAS – Desde o surgimento da ideia, considerando sua planificação e chegando à sua concretização, quanto tempo se passou? 

ALESSANDRO SANTIAGO – Todo o processo foi longo, em torno de quatro anos de trabalho.

MOBILITAS – Quais foram os principais passos?

ALESSANDRO SANTIAGO – Inicialmente, houve a pré-seleção dos produtos sensores; criação de modelos computacionais de processamento de dados ambientais; aprimoramento no sensor para resistir ao cenário brasileiro (vibração, chuvas etc.); testes experimentais de validação e projeto piloto em cidades brasileiras.

MOBILITAS – Quais foram os principais desafios?

ALESSANDRO SANTIAGO – Podemos elencar pelo menos três desafios principais. O primeiro foi tornar o produto tecnicamente viável e adequado ao mapeamento de cidades brasileiras. O segundo foi estabelecer uma plataforma computacional para processar e criar mapas de forma quase automática. E o terceiro foi elaborar um protocolo de testes em centros urbanos por meio de hospedagem do sensor em cima de ônibus urbanos. Todos estes três desafios envolveram muitas etapas de estudo e de negociação com entidades públicas e privadas para viabilizar a ideia.

MOBILITAS – Quando o projeto – com um protótipo – foi considerado concluído? Nesse ponto, como foi o processo de teste?

ALESSANDRO SANTIAGO – O protótipo foi concluído em 2017, depois de mais de um ano de experimentos, neste período foram coletados mais de 70 mil pontos da capital paulista.

MOBILITAS – Como exatamente funciona o equipamento?

ALESSANDRO SANTIAGO – Construído de forma integrada a uma plataforma computacional, o sensor é, na verdade, uma ferramenta do âmbito da Internet das Coisas, capaz de coletar e transmitir dados com uma conexão em rede. O instrumento monitora o ar por onde o veículo passa, recolhe amostras espaçadas no tempo e no espaço, registra as informações e transmite quando há sinal disponível. As informações alimentam um banco de dados em um servidor, onde são processadas por um software que gera um mapeamento das manchas de poluição. O trabalho inicial permitiu mapear cerca de 70 mil pontos para a criação de modelos ‘espaços-temporais’ de regiões da cidade de São Paulo.

MOBILITAS – Qual o principal benefício desse método?

ALESSANDRO SANTIAGO – Creio que seja proporcionar uma resolução maior se comparada a meios tradicionais de medição da qualidade do ar, como as estações fixas. Essa vantagem permite conclusões mais precisas sobre a poluição do ar. Normalmente, quando é feito um levantamento com alta resolução pode-se ver, por exemplo, que todos os viadutos da cidade são pontos de grande concentração de poluentes, assim como grandes cruzamentos. O objetivo é que os dados e mapeamentos gerados possam auxiliar especialistas e gestores na análise e tomada de decisões sobre a qualidade do ar de microrregiões urbanas.

MOBILITAS – Já houve uma aplicação que pode ser considerada real, capaz de produzir resultados utilizáveis por pesquisadores ou gestores de serviços públicos?

ALESSANDRO SANTIAGO – O primeiro experimento real ocorreu na capital paulista, em 2017 e 2018 com o mapeamento de linhas cobertas pelos trólebus na região central. Com este mapeamento, foram identificadas as microrregiões que apresentam maior tendência de concentração de poluentes. Foi possível, por exemplo, observar que os pontos categorizados com maior tendência de concentração de monóxido de carbono (CO) são os viadutos, grandes cruzamentos, regiões próximas a túneis e nos chamados “cânions urbanos”, que são ruas circundadas por prédios altos. Este diagnóstico é coerente com pesquisas cientificas que já apontou estes locais como concentradores de poluentes, no entanto, agora temos evidências de dados reais coletados na capital paulista.

MOBILITAS – Esse produto pertence ao IPT?

ALESSANDRO SANTIAGO – O produto foi desenvolvido dentro de um programa do IPT de Projetos de Capacitação que têm por objetivo fomentar a inovação em produtos e serviços do IPT, por meio do financiamento de atividades de pesquisa, desenvolvimento, geração de conhecimento e aprimoramento de competências técnicas do corpo técnico do Instituto. A ideia inicial é fornecer dados para melhoria de estratégias de políticas públicas para minimizar os efeitos da poluição do ar, com base em mapeamentos preliminares que possam embasar os gestores ou especialistas nas suas análises de impacto e estratégias de mitigação do efeito estufa.

MOBILITAS – Como a equipe imagina que o produto poderá atender as necessidades de estudos ambientais em cidades brasileiras?

ALESSANDRO SANTIAGO – A solução apresenta um mapeamento em alta resolução, o que permite visualizar a tendência de concentração de poluentes como CO (monóxido de carbono), NO2 (dióxido de nitrogênio) e O3 (ozônio) em áreas de 100 metros. Estes gases compõem indicadores de qualidade do ar em cidades. Uma vez que se descobrem quais regiões podem ser mais afetadas pela poluição, podemos definir estratégias localizadas para mitigar os efeitos. Por exemplo, adotar uma mudança de toda a frota veicular urbana por modelos menos poluentes, pode ser de difícil implementação, mas adotar uma implementação gradual, e iniciar por locais mais comprometidos pode ser uma boa estratégia com base no uso do nosso mapeamento.

MOBILITAS – Há a possibilidade de que um equipamento com essas características apoie esforços de organizações de outros países, em especial na América Latina?

ALESSANDRO SANTIAGO – O problema de poluição do ar é um problema global, portanto é aplicável em qualquer cidade mundial; na América Latina, a solução proposta pode ganhar maior força, pois o principal meio de transporte público é o ônibus, o que favorece a implantação deste tipo de dispositivo.

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