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Contratos EPC (do inglês ‘engineering, procurement and construction’) sob a ótica do contratante concessionário. Por Leonardo Cordeiro, advogado.

Categoria: Matérias

Publicado em 13 set 2018

7 minutos

Contratos EPC (do inglês ‘engineering, procurement and construction’) sob a ótica do contratante concessionário. Por Leonardo Cordeiro, advogado.

LEONARDO CORDERO*

A mobilidade urbana segue se tornando pauta contínua nas rodas de discussões de políticas públicas prioritárias do país. É verdade que, no Brasil, algumas iniciativas de administradores públicos baseadas em experiências internacionais que não se adaptam à realidade brasileira acabam por gerar projetos pouco eficazes e que, no fim, não solucionam ou melhoram os problemas de mobilidade das cidades e do país. Mas essa realidade tem mudado.

Durante muito tempo, a mobilidade foi enxergada quase que exclusivamente sob a ótica míope de grandes projetos estruturantes, como construção de estradas e rodovias, portos e aeroportos e o privilégio a modais importantes, mas que ignoram a necessidade de dia-a-dia do cidadão. A realidade é que esse dia-a-dia acontece prioritariamente nas cidades, onde o deslocamento de pessoas e coisas precisa fluir constantemente e de maneira eficiente, gerando bem-estar para a população, permitindo que as cidades sejam vividas e experimentadas pelos seus moradores e visitantes, com um ganho inegável de eficiência econômica e melhoria da percepção de qualidade de vida.

Nesse contexto é que temos defendido que a mobilidade seja observada primeiramente sob a perspectiva do modal que é o “coração” do deslocamento e pessoas nas cidades: os ônibus. É o transporte coletivo quem responde pela maior fatia, no Brasil, da obrigação de levar e trazer as pessoas de um ponto a outro. E, se é assim, é ele quem deve ser o foco quando o administrador público pensar em projetos de mobilidade urbana.

Com o transporte coletivo sobre pneus ganhando protagonismo no contexto dos projetos de mobilidade – o que significa a ampliação do conceito de concessão do transporte –, é natural que o operador de transporte cresça em relevância e assuma responsabilidades antes destinadas às grandes construtoras e empreiteiras. Afinal, num projeto que envolva não apenas operar o sistema de transporte, mas construí-lo e modificá-lo, a necessidade de somar expertises é premente. Daí a insistência em se pensar grande na mobilidade: a ampliação do escopo do projeto viabiliza sinergias de ganhos de eficiência que só o operador de transporte é capaz de diagnosticar.

Mas, claro, a inserção de atividades desconhecidas ou não dominadas pelos operadores de transporte nos contratos de concessão – especialmente aquelas que demandam conhecimento técnico específico e expertise de execução – requerem a aproximação com outros atores do universo da mobilidade. Em especial, as obras de engenharia (como construção de terminais, corredores exclusivos, sistemas de BRT etc.) requerem know-howe capacidade técnica. Mais que isso: requerem alguém que assuma a obrigação contratual (ainda que não perante o Poder Concedente) e entregue a parcela do objeto relativa às obras de engenharia pronta para ser operada.

É nesse contexto que surgem modalidades contratuais ainda pouco conhecidas pelos operadores de transporte e que servem ao propósito de regular, numa relação de prestação de serviços, a assunção das responsabilidades das obras de engenharia a um expert. Especificamente, estamos tratando dos contratos EPC (do inglês engineering, procurement and construction).

O EPC é uma modalidade de contrato complexo, já largamente utilizada em projetos de infraestrutura, que, na essência, transfere ao contratado a obrigação sobre o projeto de engenharia, a construção, a montagem e a compra e instalação dos equipamentos destinados à obra. Na essência, todo o escopo da obra é transferido a um terceiro, que assume as obrigações a ela relativas e deve entregar a obra em plena capacidade de funcionamento. Daí ser comum chamar esta modalidade contratual de turn-key, ou seja, é só “virar a chave” e começar a operar.

Nesse tipo de contrato, o contratante normalmente exerce apenas funções de fiscalização acerca do cumprimento do cronograma e níveis de serviço estabelecidos contratualmente. Em obras cuja realização se dá no ambiente de contratos de concessão, é de fundamental importância os cuidados com prazos de execução, pois as fases do contrato têm espaço reduzido de “manobra” e o atraso na obra pode significar o atraso na operação e, com isso, a geração de receitas do projeto pode ser severamente impactada.

Na maior parte das vezes, é comum que, ainda durante o processo licitatório, o licitante já tenha firmado algum instrumento pré-contratual com a construtora (normalmente vinculante, o que pode ser, inclusive, condição de participação àqueles que não detém diretamente a capacidade técnica para tanto), como um memorando de entendimentos, por exemplo. Esses instrumentos garantem a segurança ao potencial concessionário de que as informações e dados fornecidos na licitação são suficientes para quea construtora parceira mensure a viabilidade da obra, seu preço global estimado e se os prazos do edital para execução são exequíveis.

As modelagens mais modernas de concessões de mobilidade (sejam comum ou por meio de PPP) têm centralizado o escopo do contrato na operação – que é o objetivo do projeto, afinal –, até porque a duração do contrato está mais vinculada à fase operacional que a de construção.

E, com isso, é cada vez mais comum as linhas de financiamento da fase de obras já estarem previstas no edital, muitas vezes pré-disponibilizadas ao vencedor do certame.

Esse tipo de arranjo simplifica o processo e viabiliza o protagonismo do operador de transporte, que é a figura central da concessão. Claro que a capacidade de financiamento do operador é essencial, e isso exige um grau de profissionalização que boa parte do setor ainda precisa adotar. Afinal, ter demonstrações financeiras auditadas, instituir um bom processo de governança corporativa e criar o ambiente institucional adequado não são tarefas que se realizam apenas pela boa vontade, nem tampouco do dia para a noite. É preciso um trabalho árduo – e muitas vezes longo – de adequação para poder exercer o protagonismo que uma contratação pública de envergadura demandará.

Os bons projetos de concessão de mobilidade devem ser financeiramente estruturados a partir do modelo de project finance, método pelo qual as receitas emergentes da concessão servem como lastro para o financiamento do projeto. Isso permite uma “antecipação” dos recebíveis futuros como forma de financiar a fase pré-operacional (obras), exatamente o momento crítico de investimento dos projetos.

Para o operador, a boa estruturação do financiamento é essencial para viabilizar seu protagonismo, já que os recursos levantados servirão para honrar a contratação da construtora pelo contrato EPC, fase de investimentos que demandam recursos ainda sem que haja geração de receitas.

A expertise da empresa contratada para realização de obras de engenharia é fundamental num contrato EPC, assim como sua capacidade financeira, porque é natural que a maior parte das atividades envolvidas na execução do contrato, ainda que sob a administração e responsabilidade da construtora, serão prestadas por terceiros contratados. Logo, garantias (como seguros de performance) são essenciais para evitar que a incapacidade ou atraso de execução da empresa contratada possa levaro concessionário a default ou violação contratual junto ao Poder Concedente. Assim, o EPC acaba por gerar uma rede bastante considerável de contratos, com a distribuição dos riscos entre os diversos agentes contratados.

O importante, do ponto de vista do concessionário contratante, é garantir que o contrato EPC cubra devidamente os riscos de um projeto de envergadura que, na essência, será de sua responsabilidade aos olhos do Poder Concedente. Além disso, não existe operação sem que antes tenha havido a construção e, assim, a escolha do parceiro construtor deve ser cuidadosamente analisada, e a redação dos instrumentos contratuais (em especial o contrato EPC) deve ser realizada por assessores legais que detenham o nível de conhecimento adequado para esse tipo de contratação.

Portanto, o protagonismo do operador de transporte nos projetos de mobilidade, uma realidade cada vez mais concreta, exige dos atuais players do mercado uma visão estratégica sobre a forma de realizar as parcerias necessárias para o sucesso do projeto.

[padding type=”full_right”]*LEONARDO CORDEIRO é sócio do Cordeiro, Lima e Advogados e possui LL.M em Direito Societário pelo Insper.[/padding]

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