Categoria: Matérias
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Publicado em 9 jul 2018
11 minutos
Para fazer frente ao risco do colapso da mobilidade em grandes e médias cidades, autoridades, empresários e especialistas cada vez mais recorrem ao intercâmbio dentro da própria América Latina, buscando não só novas técnicas, soluções e produtos, mas também ideias e liderança
Com pelo menos 20 grandes conglomerados metropolitanos, uma taxa média de urbanização em torno de 80% e o crescimento insensato da motorização automobilística, a América Latina vive a crise de mobilidade em praticamente todos os seus grandes e médios centros.
Este drama envolve a multiplicação de congestionamentos, excesso de consumo de combustíveis fósseis, um quadro geralmente preocupante de poluição ambiental e sonora e ocorrências de trânsito corriqueiramente graves, que resultam em elevado número de mortos e feridos com sequelas severas.
Inclui ainda a desorganização, o baixo desempenho operacional e deseconomias do transporte público, sobretudo nos sistemas de superfície, que sofrem a interferência direta do excesso de automóveis e assim cumprem viagens mais longas e estressantes, sacrificando especialmente as populações mais pobres, que moram mais longe dos locais de trabalho e não têm alternativas para seus deslocamentos.
Para fazer frente a esta situação, autoridades, empresários e especialistas latino-americanos vêm, cada vez mais, recorrendo ao intercâmbio dentro da própria região, buscando não só novas técnicas, soluções e produtos, mas principalmente boas ideias já chanceladas pela realidade e o engajamento delideranças capazes de orientar e injetar ânimo para saídas efetivas.
Experiência global. Criada em 2005, a União Internacional de Transportes Públicos (UITP) – Divisão América Latina trabalha com intensidade para ampliar o diálogo sobre mobilidade nas cidades. A entidade regional conta com a retaguarda de sua matriz global. A UITP foi fundada há 133 anos, tem sede em Bruxelas, na Bélgica, e congrega 1.400 companhias associadas e aproximadamente 18 mil membros associados em 96 países. Em 2017, a UITP realizou mais de 50 atividades distintas na América Latina, concentrando um público de dez países da região, com a participação de mais de 110 organizações públicas e privadas. E 15 empresas patrocinaram diretamente a realização de eventos.
A UITP América Latina promove uma assembléia geral anual, com a participação dos associados e o debate das principais questões do período. A mais recente foi realizada no mês de outubro de 2017, em Rosario, Argentina, quando foi firmado um manifesto em que os signatários reconhecem a existência de um conjunto de situações críticas relativas à mobilidade e às cidades e se comprometem com atitudes e ações para enfrentar os problemas identificados, de modo a promover o desenvolvimento urbano sustentável.
Além disso, depois de cinco anos seguidos, em 2018 ficou claro que a Semana UITP América Latina, realizada sempre no mês de março, em São Paulo, já arrumou um lugar definitivo no calendário de encontros especializados do setor. Na mais recente edição, a Semana UITP América Latina propiciou a realização do 2º Encontro de Autoridades Públicas de Mobilidade Urbana daAmérica Latina e o 5º Seminário ITS UITP,este focalizando, entre outros pontos, temas como evolução dos sistemas de pagamento, mobilidade sob demanda, tecnologias emergentes, inovação e as tendências quanto aos veículos autônomos.
A UITP América Latina tem também arregimentado a participação de representantes regionais no Congresso Mundial da UITP. O mais recente aconteceu em maio de 2017, em Montreal, Canadá, e nele foi reconhecido um projeto latino-americano – intitulado Parceria Público-Privada do Sistema Integrado Metropolitano da Região Metropolitana da Baixada Santista – como a melhor modelagem financeira para o transporte urbano no biênio 2016-2017.
Além das atividades estritamente presenciais, a UITP América Latina conta com grupos de trabalho que permitem também intercâmbio virtual e acesso a discussões e estudos sobre temas como custos operacionais dos sistemas sobre pneus, desafios vividos pelos ônibus elétricos, metrôs, comunicação e promoção da mobilidade e, ainda, questões e dados abertos e inovação.
Boas práticas. Por meio de uma série de oficinas que acontecerão até novembro de 2018, a UITP Divisão América Latina está promovendo uma segunda edição do programa Melhores Práticas de Mobilidade Urbana – Ciclo 2018/2019. Duas oficinas foram desenvolvidas em São Paulo e na Cidade do México no primeiro semestre de 2018, outras estão programadas para diferentes datas do ano em Buenos Aires, Argentina; Santiago, Chile; e Salvador, Brasil.
A partir das oficinas, organizações interessadas poderão inscrever seus projetos de boas práticas, que serão avaliados, podendo ser premiados no próximo Congresso da UITP, a ser realizado em Estocolmo, Suécia, em julho de 2019. Os projetos inscritos compõem uma coleção a que outras organizações do setor podem recorrer como parâmetro para promover ações próprias. O primeiro ciclo angariou – e coloca à disposição de organizações do setor – 46 projetos de boas práticas nos campos de comunicação e promoção em mobilidade urbana, alguns dos quais premiados no Congresso da UITP realizado em 2017 em Montreal, Canadá.
Debate sobre trilhos. Com mais de três décadas de atuação, a Associação Latino-Americana de Metrôs e Subterrâneos (Alamys) é outra organização que tem investido no fomento do debate sobre temas da mobilidade urbana. A entidade promove dois encontros anuais. Em um deles, realizado no primeiro semestre do ano, as atividades se referem primordialmente à atuação dos comitês técnicos da própria Alamys nas áreas de manutenção, operação, planejamento e gestão. O outro encontro, no segundo semestre, corresponde à assembléia anual. A 32ª Assembleia Anual da Alamys está marcada para o período de 11 a 15 de novembro de 2018, em Quito, Equador.
No Brasil, a Alamys tem se responsabilizado nos últimos anos por uma das sessões da Semana de Tecnologia Metroferroviária, congresso anual promovido desde 1995 pela Associação de Engenheiros e Arquitetos de Metrô (Aeamesp); em 2017, houve uma apresentação a respeito da estratégia adotada pelo Metrô de Santiago, Chile, para desenvolver a comunicação com sua comunidade de usuários e uma exposição a respeito das mudanças observadas em bairros de Medellín, Colômbia, a partir da introdução do sistema local de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A 24ª Semana de Tecnologia Metroferroviária está programada para o período de 21 a 24 de agosto de 2018, na Universidade Paulista (Unip), Campus Vergueiro, em São Paulo (SP).
Líderes. A postura dos líderes enriquece e fortalece o processo de debate sobre a crise de mobilidade. Jesus Padilla é presidente da Associação Mexicana de Transporte e Mobilidade (AMTM), entidade que em abril de 2018 completou uma década de atividades, realizando um grandioso décimo congresso, com 5.800 participantes e forte presença internacional.
Na abertura desse encontro, Padilla fez um alerta sobre o risco do uso abusivo dos veículos privados e a importância de haver a priorização do transporte público. Informou que na Cidade do México, para cada dois bebês que nascem, entram em circulação quatro ou cinco veículos, frisando que tal situação é insustentável. Informou também que a capital do país e outras metrópoles mexicanas estão a caminho de duplicar seu parque veicular, situação que tenderá a acirrar a competição por espaço no sistema viário.
Mencionando que o México, em razão das eleições presidenciais, vivia uma conjuntura política única, ele propôs que a mobilidade seja tomada como um direito humano e social, assim como o direito ao trabalho, segurança, moradia, saúde, segmentos que contam com recursos orçamentários próprios. Também propôs aos candidatos presidenciais uma lei urbana que permita transformar as metrópoles “em cidades compactas, interconectadas, multifuncionais e sustentáveis”, arrematando: “Insistimos em uma lei nacional de mobilidade”.
Jurandir Fernandes, presidente da UITP Divisão América Latina, também fez uma exposição no encontro da Associação Mexicana de Transporte e Mobilidade, examinando aspectos relacionadas com as crises políticas e econômicas presentes nos países latino-americanos, as quais, como o impacto das novas tecnologias, afetam o setor da mobilidade.
Ele disse que a América Latina, que conta com 630 milhões de habitantes, é a segunda região mais urbanizada do mundo, possui duas das cinco maiores aglomerações urbanas do planeta – Cidade do México e São Paulo – e poderá tirar proveito da quarta revolução tecnológica, dando saltos de qualidade em um dos maiores desafios das grandes cidade, que é a mobilidade urbana.
Para seguir esse caminho, disse que o procedimento adequado envolve o planejamento das cidades, com espaços para corredores de ônibus, sistemas sobre trilhos, bicicletas, terminais e estações integradas à cidade, com áreas para os serviços públicos, para o comércio, atividades culturais, bancos e serviços financeiros e outros com forte importância para as cidades e suas populações. Propôs também mudanças nos marcos regulatórios, “adequando-os a uma realidade muito mais complexa, com novas tecnologias, novos atores, novos negócios e novos comportamentos dos cidadãos”.
O dirigente disse que é necessário desbloquear todas as obras de infraestrutura da América Latina – “obras que estejam atrasadas ou paralisadas, com prioridade para aquelas que aumentam a eficiência do transporte público”. E que é preciso também tornar as cidades latino-americanas “cidades inteligentes”,a partir do uso de recursos do governo eletrônico – e-government –, e plataforma digital única, considerando um projeto de mobilidade que leve em conta a integração de todos os meios de transporte, motorizados ou não motorizados.
Significativas experiências. O 10º Congresso da Associação Mexicana de Transporte e Mobilidade também teve como conferencista o ex-secretário de Transporte e Mobilidade de São Paulo, Sérgio Avelleda, que, além de ter presidido o Metrô de São Paulo e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanas (CPTM) – sistemas sobre trilhos que transportam, juntos, mais de 7 milhões de passageiros por dia –, acabou de conduzir o processo de organização da maior licitação mundial para um sistema municipal de ônibus, que conta com mais de 13,5 mil ônibus, mais reserva operacional, e transporta 9,5 milhões de passageiros diariamente na capital paulista.
Avelleda afirmou no encontro: “Megacidades carregadas com problemas no domínio da mobilidade, tais como São Paulo, Cidade do México, Santiago, Bogotá e Buenos Aires, exigem um sistema centralizado, incluindo um sistema de tarifa integrada, com um sistema de conta única que lida com o dinheiro e distribui recursos para o benefício dos trabalhadores, com equilíbrio e transparência, o que gera sempre tranquilidade para os operadores”.
Se a grande metrópole de São Paulo tem experiências a oferecer, mostra-se também aberta para aprender com a experiência de outros grandes centros. Em dezembro de 2017, esteve na cidade a ex-prefeita de Santiago Carolina Tohá, que, além de comentar alguns de seus projetos, brindou o público interessado com reflexões que ajudam a situar algumas das principais questões urbanas relacionadas coma mobilidade.
Ela falou aos paulistas sobre o papel – sobretudo político– dos especialistas e das autoridades de transporte urbano quanto a tornar mais claros para a sociedade os riscos das disfunções da mobilidade nos grandes centros urbanos. Ao abordar a questão dos projetos que negociou e implantou em sua gestão, Carolina Tohá destacou a importância de angariar aliados e apoios: “Aprendemos que para fazer política de transporte, política tradicional de transporte, basta ter um especialista de transporte e mecanismos setoriais. Mas para fazer mudanças sustentáveis é preciso ter acordos amplos com diferentes setores, incluindo a comunidade, as ONGs e também o setor privado”.
Em outro momento, a ex-prefeita sublinhou que a posse do carro foi um sonho que não se tornou viável, sendo então necessário substituí-lo por outra utopia. “Temos que ter um sonho diferente… o sonho de compartilhar o espaço público e também os meios de transporte. A ideia não é abandonar o carro, e sim combinar os meios de transporte.”
ALEXANDRE ASQUINI
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