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Valeska Peres Pinto – Organizações de mobilidade urbana precisam de ‘salas de crise’ para entender a sociedade que está chegando

Categoria: Matérias

Publicado em 18 mar 2018

10 minutos

Na condição de coordenadora, a arquiteta e urbanista brasileira Valeska Peres Pintoexplica nesta entrevista a estruturação, os objetivos e o significado do programa Melhores Práticas de Mobilidade Urbana – Ciclo 2018/2019, da União Internacional de Transportes Públicos, Divisão América Latina (UITP/DAL). A exemplo do que ocorreu no Ciclo 2016/2017, concluído no Congresso Mundial da UITP em Montreal, Canadá, a iniciativa busca estimular as organizações do setor de mobilidade urbana na América Latina – empresas privadas e públicas e órgãos gestores – a apresentarem suas boas práticas com resultados comprovados, de modo que possam servir de base para que outras organizações possam também melhorar seus métodos e procedimentos.

Mobilitas – A União Internacional de Transportes Públicos – Divisão América Latina inicia neste mês março, por São Paulo, o programa Melhores Práticas de Mobilidade Urbana – Ciclo 2018/2019. O que pretende esse programa?

Valeska Peres Pinto – Trata-se de uma ação destinada a todos os profissionais e organizações que atuam no setor. É uma atividade que faz questão de desconhecer a segmentação que normalmente ocorre nas empresas e órgãos públicos, que fragmenta a atuação em detrimento da colaboração interna. Hoje em dia, no estágio de absorção de novas tecnologias e com o grau de comunicação exercido pelas redes sociais, não podemos mais criar “caixinhas” ou permitir que elas continuem existindo. É contraproducente institucionalizar compartimentos, por exemplo, com ações só para engenheiros, ou só para economistas, comunicadores, especialistas em marketinge assim por diante… Da mesma forma, não podemos segmentar as próprias organizações. Então, estruturamos um programa abrangente, voltado a todos os que estão envolvidoscom a mobilidade urbana, profissionais de diferentes formações, atuantes em empresas, órgãos públicos, universidades e na própria indústria.

Mobilitas – Em que medida é importante para os profissionais e para as organizações romper com a segmentação?

Valeska Peres Pinto – Quando uma organização se estrutura em compartimentos estanques, é muito comum acontecer a separação dos processos internos, em especial as decisões no âmbito corporativo ou mesmo internamente aos departamentos. Muitas vezes, um departamento constrói uma determinada iniciativa, afinada com os objetivos estratégicos da organização, e outro departamento a destrói mais adiante, porque desconhece o ambiente em que vive a organização e as razões por que se adotou aquela estratégia específica. Além disso, é preciso enfatizar que as empresas estão sendo provocadas para mudanças em ciclos muito mais rápidos. Por uma questão de concorrência, elas precisam a inovar, mas, ao mesmo tempo, precisam responder aos anseios de seus próprios clientes tradicionais e também responder à sociedade. Esses condicionantes estabelecem situações tensas, estressantes, de muita pressão, externa e interna, por resultados. Todos ficam muito nervosos. Compreender o ambiente da organização e fazer com que todos os esforços sejam convergentes reduz significativamente o estresse, a tensão e o nervosismo.

Mobilitas – Em que medida essa distorção afeta a realidade das organizações que atuam no campo da mobilidade urbana?

Valeska – O que temos observado é que as empresas e os órgãos gestores – estes com maior incidência – continuam a empregar soluções antigas para problemas novos.  E o que estamos buscando na UITP – Divisão América Latinacom o programa Melhores Práticas de Mobilidade Urbana – desde o Ciclo 2016/2017 e agora com o Ciclo 2018/2019 – é mostrar que a necessidade de manter a mente aberta. Nosso programa parte de indagações que estão na base da questão: O que é dirigir uma empresa? O que é ter uma visão de gestão? Como estabelecer um programa de gestão? Por que é preciso inovar?  O que é preciso fazer para obter a inovação? Como a inovação vai impactar a qualificação da mão-de-obra? Como devemos nos comunicar com os nossos clientes? Estamos falando corretamente com a sociedade? Estamos explicando adequadamente o que estamos fazendo? E para dar conta dos problemas trazidos por essas indagações, em vez de respondê-las por segmento – e, portanto, rejeitando a segmentação que critiquei acima – decidimos juntar todo mundo, praticamente todas as áreas da UITP – aquelas que trabalham em inovação, em digitalização, em comunicação, em gestão e com modelos regulatórios num mesmo programa. A ideia foi criar uma ‘sala de crise’, justamente para entender a sociedade que está chegando.

Mobilitas – Sabemos que as mudanças vão acontecendo rapidamente. Qual deve ser a velocidade do processo de adaptação nas empresas e para os profissionais?

Valeska – Em todos os setores, inclusive o da mobilidade urbana, os parâmetros precisam ser mais consistentes. E também é preciso estabelecer com urgência uma estratégia de mudança, de modo que as mudanças possam ser feitas celeremente, mas num ritmo ajustado à realidade de cada organização.

Nossa ideia foi criar um programa que juntasse bons conselhos sobre temas significativos para o setor, e que coletasse as boas experiências das organizações que a seu modo, em diferentes escalas, em diferentes países, em diferentes situações, encetaram ações para compreender seus problemas e construir saídas. São organizações que estãobuscando soluções para a mobilidade em sociedades cada vez mais complexas. A urgência tem ainda outra razão: as pessoas não têm mais paciência para esperar soluções que venham dos governos, que venham das empresas, e se lançam à busca de saídas próprias – com aplicativos ou outros tipos de solução – que podem gerar problemas consideráveis mais adiante.

Mobilitas – Qual foi a estratégia adotada na criação do programa?

Valeska – Montamos um programa para mostrar que, diante de um mundo com muitas mudanças e com muitas rupturas, é preciso construir um caminho mais confiável, mais seguro, a partir das próprias práticas de cada organização.

Queremoslançar luzes e dar publicidade e reconhecimento para quem já está fazendo as mudanças. Ao mesmo tempo, queremos fomentar uma reflexão sobre como localizar em cada uma delas o que é importante e, principalmente, como replicar as soluções estabelecidas.

Em cada caso abordado, queremos entender os aspectos centrais, novamente com base em indagações: Qual foi o ponto crucial? Qual foi o gatilho da mudança? Por que e em que condições ela se deu? Com as respostas a essas perguntas, podemos enxergar as saídas mais adequadas e identificar caminhos.

Com o desenvolvimento do programa Melhores Práticas de Mobilidade Urbana, os dirigentes de uma empresa privada ou pública, ou os responsáveis por um órgão gestor do transporte urbano poderãoexaminar dezenas de projetos, com suas respectivas concepções e resultados, e encontrar alguns que sirvam de parâmetro visando à construção de soluções para as situações que estejam enfrentando.  Insistimos na importância de os dirigentes e gestores terem acesso a muitas experiências de diferentes tipos. E é isso que a gente está tentando fazer cada vez mais. (Clique aqui e veja os resumos dos 46 projetos finalistas do Ciclo 2016/2017)

Mobilitas – Dentro dessa concepção, as práticas adotadas com êxito pelas organizações concorrentes acabam se transformando em uma receita possível para outras organizações.

Valeska – Exatamente. Com o relatório final, as práticas premiadas e mesmo práticas as finalistas não premiadas seguramente vão servir para iluminar o caminho de outras organizações, com estratégias, procedimentos e as demonstrações de resultados.

Algumas das soluções dizem respeito à bilhetagem eletrônica – seu funcionamento e também as informações que pode gerar para um melhor conhecimento dos clientes e para um melhor relacionamento com eles. É um caminho que algumas organizaçõesempreenderam e que costumam mostrar.

Outras experiências se referem à utilização de aplicativos que facilitem a vida das pessoas que utilizam o transporte público. Veja que esses fatores que tornam mais amigável a relação com os usuários são importantes, por que,muitas vezes, quando o usuáriopercebe ser impossível encontrar a oferta de transporte público que lhe interessa, acaba desistindo dessa alternativa: vai pegar o seu carro ou não sai.

Além disso, a criação de aplicativos está mostrando como as empresas podem conhecer melhor seu negócio e seus clientes.  Eles são capazes de fornecer informações que antes exigiam pesquisas de campo muito caras. Estudar o usuário tornou-se viável com a captura e a devida compreensão dos dados disponibilizados pelos próprios usuários, que usam redes sociais, que usam diferentes aplicativos, e que se dispõem a oferecer informações sobre seus hábitos de consumo, o que é muito importante para as empresas fazerem o seu planejamento.

No ciclo anterior, houve ações premiadas e se referem à melhoria do acesso ao transporte público, justamente porque o acesso é a opção. As viagens de uma pessoa têm a ver com as condições que ela encontra no dia a dia, com a maneira adequada de ela poder viajar.Também tivemos experiências muito interessantes, que mostraram como as ações no campo da mobilidade urbana, se conduzidas dentro de um ambiente mais amplo, ajuda a melhorar todo o seu entorno urbano. As ações de mobilidade urbana se prestam também para requalificar os espaços urbanos em torno dos eixos de mobilidade.

Mobilitas – E como será este novo ciclo?

Valeska –Vamos destacar três aspectos. Um deles diz respeito à importância e às mudanças necessáriasno sistema de gestão – mudanças que devem alcançar desde os principaisdirigentes até as equipes de operação e que acontecem sob impacto de fenômenos como a digitalização e a emergência da importância dos Big Data para as organizações.

Um segundo ponto é o apelo à inovação. A inovação é importante: pode vir a reduzir custos, melhorar desempenho, fazer com que o transporte público e a mobilidade sejam porta-vozes de cidades sustentáveis, porque esse é o nosso objetivo. Por enquanto, o transporte público ainda está na lista dos vilões e poluidores, mas podemos deixar de sê-lo em breve.

E por último, trataremos da comunicação que é uma questão essencial. Porque muitas coisas ruins têm acontecido em razão de as pessoas e as organizações não terem uma comunicação adequada. Não se comunicam bem. Não falam bem o com seus clientes, não falam bem com os dirigentes públicos, não conseguem defender bem as suas teses, há muito ruído. E nesse aspecto, a comunicação passou a ser algo vital. Por Alexandre Asquini.

 

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